Ser o melhor da Europa não basta
JOSE COELHO/LUSA

OPINIÃO Ser o melhor da Europa não basta

OPINIÃO01.11.202309:57

Uma Seleção onde não cabe Pedro Gonçalves tem de querer conquistar o mundo. 'Villa Fiorito', o espaço de opinião do jornalista Fernando Urbano.

O futebolista de elite é, por natureza, um ser egoísta, incapaz de se colocar numa perspetiva que lhe permita sair da bolha e perceber tudo o que o envolve. Fá-lo por obrigação de dever e pelo muito humano instinto de sobrevivência. É consciente de que faz parte de uma minoria e sabe que há um enorme exército de concorrentes, na base da pirâmide, prontos para subir os degraus e tomar o lugar daquele que chegou lá acima pelo mérito e qualidade. 

Esta visão encurtada e altamente subjetiva também engloba os respetivos agentes, que umas vezes a mando dos jogadores e noutras por quererem mostrar serviço se atiram ao primeiro microfone que lhes aparece para influenciar positivamente a opinião pública relativamente ao seu representado, quando, por exemplo, é divulgada uma convocatória da Seleção Nacional. Também isso faz parte do jogo, no fundo cada um está a puxar a brasa à sua sardinha porque num mundo tão competitivo como este o individualismo é um reflexo e não a causa.

Menos habitual é ouvirmos um treinador assumir o mesmo tipo de dor, para não dizer mesmo o tipo de discurso. Rúben Amorim não foi muito feliz quando afirmou, no início de setembro, que a Seleção não devia ser um espaço para «ajudar jogadores que estão em momentos maus», naquilo que foi interpretado como uma crítica à convocatória de João Félix e João Cancelo quando ambos nem sequer estavam em competição. 

Fosse pela boa resposta de ambos nos encontros de Portugal que se seguiram ou por ter, entretanto, compreendido que comentários daqueles podiam resvalar para o arquétipo de treinador de clube e não o treinador de futebol que ele é e sempre será, Rúben Amorim foi novamente igual a si próprio quando admitiu o quão difícil é para um jogador como Pedro Gonçalves ser chamado à Seleção. O «azar» de ter como concorrentes João Félix e Bernardo Silva, tal como explicou Roberto Martínez, foi analisado de forma construtiva pelo técnico dos leões e, coincidência ou não, Pote soltou novamente o génio que lhe corre pelas veias, marcando um golo de calcanhar no Bessa que é um monumento.

O 8 dos leões até poderia sonhar com o Europeu se de repente saísse desse raio posicional e pudesse candidatar-se a zonas mais recuadas, como ocasionalmente acontece no Sporting, mas o que poderia ganhar é infinitamente inferior à perda que representaria para o próprio e para a equipa, que precisa dele no último terço porque é um goleador que pensa como um médio, um jogador fino e raro que deve acreditar, sim, que a Seleção Nacional é possível, desde que, como disse Amorim, suba a fasquia ao nível de golos e assistências. 

Isto faz lembrar uma velha história do futebol português, quando um determinado guarda-redes, ao ouvir do treinador de que ele era o «melhor da Europa», lhe perguntou porque não era, então, o titular. «Porque o titular é o melhor do mundo», respondeu-lhe. É uma pena não vermos Pedro Gonçalves com a camisola de Portugal vestida, mas quem sairia? A ausência de uma reposta pronta mostra o quão elevada é a responsabilidade da Seleção: quem deixa Pote de fora tem de querer o mundo.