«Se a minha avó tivesse rodinhas...»
Sérgio Conceição e o relógio
Tudo parece encaminhar-se no sentido de Sérgio Conceição vir a conquistar o segundo campeonato em três épocas. O que não pode deixar de merecer um destacado louvor. E, sim, há um ou outro ponto crítico que só poderá ser calado em caso de derrota. Porque bater em quem já está caído no chão sujo das ruas e vielas da amargura é uma canalhice cobarde e própria dos fracos que se julgam fortes. Assumindo então que o FC Porto não vai mesmo desperdiçar, outra vez, a ocasião de ser campeão, há umas quantas coisas para dizer ao técnico portista, como homem e como treinador. Mas isso vai ter de esperar pela efectivação do fecho da época. Para já pretendo apenas sublinhar que nos últimos tempos, nomeadamente após a retoma, Sérgio Conceição parece muito mais tranquilo e sereno, por comparação com aquela que era a sua imagem de marca, sempre exaltado, por vezes até talvez quase histérico. Bons exemplos do que acaba de ser dito são a elegância com que se pronunciou sobre o seu camarada de ofício Bruno Lage ou o reconhecimento de que o Paços de Ferreira não merecia a derrota que lhe foi infligida pelo dragão. Pena é que a equipa persista em, invariavelmente, chegar atrasada ao relvado, seja para o início do jogo, seja após o intervalo. Nas provas da UEFA isso está, como é óbvio, fora de hipótese. Em Portugal tolera-se porque há uma cultura de falta de respeito.
Bruno Lage e a poesia
Passou de um anonimato absoluto para a glória das alturas. E destas para o escuro desconhecido. O que se seguirá? Agora, com mais tempo para ler, permito-me recomendar-lhe que passe os olhos pela obra do poeta inglês Rudyard Kipling, onde se confrontará com o célebre poema If, pela primeira vez publicado há exactamente 110 anos, ou seja, 3 anos após o respectivo autor ter sido distinguido com o Nobel da Literatura:
«Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...»
Não acontece na vida real
Mais uma semana, mais uma rodada, como dizem os brasileiros. Mas desta feita o que rodou nada mudou. Apenas confirmou aquilo que há muito se anunciou: as águias estão mesmo decididas em perder o título, mais até do que os próprios dragões. E este duelo pela negativa revela-se com formas ainda mais nítidas se se aglutinarem as duas últimas temporadas como se fossem uma só: o FC Porto parte à frente, dispara e chega a meio da prova com a absurda vantagem de 7 pontos. Coisa arrumada? Claro que não, os azuis e brancos sofrem uma branca, voltam a tropeçar, até que, por fim, acabam mesmo por claudicar. Se fosse no cinema todos os espectadores diriam que tais coisas nunca sucedem na vida real, pois que estas guinadas, tão implausíveis como repentinas, formam aquilo que em nomenclatura cinéfila se chama Twist.
E para que quaisquer dúvidas não possam restar, depois do intervalo a história volta ao princípio e tudo se repete, passo por passo, contando como única diferença entre as duas partes o facto de todos os vectores decorrerem em perfeita simetria, ou seja, agora são as águias a partir à frente e a consumar a estratosférica vantagem de 7 pontos, num repente fulgurante transmutada num atraso de 6 (mas como as obras mais belas têm de gozar de equilíbrio, 7 seria o número certo para sustentar). Lá está: parecem coisas do domínio da fantasia, onde não cabe a realidade, por mais fantástica e glamorosa que esta se apresente. Como advertiu o grande William Blake, «ninguém tem o que merece mas o que se lhe parece».
Está na moda dizer-se agora que Lage passou, de uma temporada para a outra, de bestial a besta. Porquê? Porque o ano passado, quando pegou na equipa, trouxe consigo a rebeldia imprevisível de João Félix, a qual se traduziu, vezes sem conta, uma e outra vez, em golos decisivos. Não resisto, por consequência, a formular uma dúplice questão:
1) teria o Benfica conquistado o título da época anterior sem os pontos derivados dos desequilíbrios criados por aquele João?;
2) se os encarnados ainda contassem com o mesmo rapaz Félix estariam por esta altura com um atraso de 6 pontos?
Responda quem quiser, acerte quem puder.
Tudo isto convoca, do fundo das minhas memórias perdidas, um episódio real, ocorrido num seminário onde eu estava na mesa com o então Chefe do Estado Maior do Exército. A coisa conta-se sumariamente assim: um coronel resolve fazer, a partir da assistência, não uma pergunta mas quase uma conferência alternativa, o que provocou a ira do General, expressa nas seguintes palavras literais: «Se, se… se a minha avó tivesse rodinhas seria bicicleta.»
Entrevista rápida
- Afinal, o que é, de verdade e em concreto, aquilo a que vem chamando de Quarta Besta?
- Ora essa… não será então evidente?
- O quê?
- Que os lobos são, depois dos dragões, das águias e dos leões, o quarto animal mais forte?
- Confesso: agora sinto-me totalmente perdido! Não estou a perceber nada do que quer que seja…
- Falo, evidentemente, dos Wolves, a equipa treinada por um português e onde metade dos jogadores de campo são portugueses, desde o experiente João Moutinho até ao teenager Pedro Neto!