Schmidt não valorizou o clássico
O treinador portista bem trocaria a espuma do sucesso efémero no clássico para ficar sete pontos à frente e não sete pontos atrás (ou não?...)
H Á um ano, um Benfica descrente caiu com dignidade nos quartos de final da Liga dos Campeões, diante do Liverpool. Agora, em início de construção de novo projeto, que está a correr bem, é normal que os adeptos sejam mais ambiciosos e queiram chegar às meias-finais. O treinador do Real Madrid, Carlo Ancelotti, pensa que o Benfica está melhor do que o Inter, mas adverte que o emblema italiano encontra nesta prova a última possibilidade de se redimir da época que está a fazer.
Noite de gala na Luz, que promove feliz reencontro com a história ao juntar os dois clubes que disputaram a final da Taça dos Campeões Europeus em 1965. O Inter venceu por 1-0, com golo de Jair, e o defesa Germano acabou o jogo como guarda-redes devido a lesão de Costa Pereira.
Oportunidade de ouro, portanto, para reviver as grandes noites de futebol maravilhoso que deram projeção internacional à águia e durante mais de três décadas lhe concederam o privilégio de comer na mesma mesa dos clubes mais ricos e influentes do mundo. É precisamente esse estatuto perdido que Rui Costa quer recuperar.
O S benfiquistas estão animados, mas Roger Schmidt sabe que a empreitada é complicada. Os portistas argumentam que em nada foram inferiores aos italianos nos oitavos de final da Champions. Foi o azar. O azar e mais alguma coisa, a começar pela qualidade do plantel do Inter que pouco tem a ver com o futebol que pratica, no velho estilo italiano, aborrecido e traiçoeiro.
«Ganharam em casa e vieram defender ao Porto», lembrou Schmidt, em conferência de Imprensa. Não se expõem nem entusiasmam, mas são terrivelmente eficazes, exploram os erros adversários e, nas emergências, chegam-se à frente com a riqueza individual dos seus jogadores.
Um Benfica competente, como tem sido na maior parte dos jogos, conseguirá alcançar as meias-finais da Champions, mas chegados a esta fase da competição, com a sucessiva seleção de valores a deixar em cena apenas os melhores de entre os melhores, as diferenças fazem-se pelos detalhes e, sobretudo, pela inspiração dos artistas.
S E há campeonato fascinante é o inglês e talvez devido a isso os estádios estão sempre lotados de um público apreciador do chamado futebol espetáculo, com resultados verdadeiramente surpreendentes. Como exemplos recentes, a goleada do Liverpool ao Manchester United (7-0) e a expressiva vitória do Manchester City diante do mesmo Liverpool (4-1).
Recorro a este exemplo de circunstância para suportar a minha surpresa pela reação catastrofista de benfiquistas na sequência da vitória do FC Porto no clássico da última sexta-feira, com declarações despropositadas, nomeadamente de figuras sempre à espera de um revés para poderem mostrar-se, os chamados adeptos do croquete, e o Benfica tem muitos.
O FC Porto ganhar na Luz já se tornou normal dada a frequência com que acontece, muito por culpa de uma política de exigência moderada no lado da águia e que se generalizou neste milénio, como traduz o facto de o futebol profissional do Benfica não registar um único título desde o verão de 2019.
O que mais custou desta vez aos adeptos encarnados nem foi a derrota em si, mas a forma como a equipa perdeu.
«Perder faz parte do futebol», afirmou Schmidt. Pois faz, mas não assim, como escreveu Vítor Serpa na sua crónica do jogo em A BOLA. Por força do ataque feito «à defesa benfiquista, com e sem bola, com três homens à largura do campo e sem contar com uma dupla de pontas de lança», o Benfica, vendo-se limitado no espaço, «vulgarizou-se, atemorizou-se e, percebendo que estava atado de pés e mãos, passou a raciocinar, apenas, na maneira de sobreviver».
Como quer mandar no jogo, Schmidt entende que os outros é que têm de preocupar-se com o Benfica e não o contrário. Antes, há muito tempo, era assim e descobrir um treinador que quer recuperar esse espírito dominador e conquistador foi um achado valioso feito por Rui Costa.
O que aconteceu neste clássico é simples de explicar. O treinador portista passou a semana a queimar as pestanas para engendrar um esquema que lhe permitisse surpreender o seu opositor, o que conseguiu, enquanto o treinador do Benfica olhou para o opositor e não lhe deu a importância que o nome justificava. Não valorizou as rivalidades da paróquia. No pensamento dele, era mais um jogo e tramou-se, pela razão simples de ainda não possuir um plantel que lhe dê garantias para assim proceder. Nem um onze titular, sequer, como se verificou.
Percebeu-se que é brincadeira dizer-se que não há Enzo Fernández mas há Chiquinho, percebeu-se que talvez Grimaldo não justifique o que reclama para renovar, percebeu-se também que Rafa Silva apenas é solução quando não é problema, percebeu-se que ninguém conhece o que valem os dois nórdicos e, neste sentido, percebeu-se ainda que continua a faltar banco.
Percebeu-se também que apesar de ter dado um banho de bola, o treinador portista bem trocaria a espuma desse sucesso efémero no clássico para ficar sete pontos à frente e não sete pontos atrás no campeonato (ou não ?...), além de Schmidt continuar na Liga dos Campeões e ele não, o que significa poder amealhar para o clube empregador mais €23 milhões ou não…