Schmidt (e culpas)
O que Roger Schmidt tem de levar para Milão? Jogadores que joguem como Bobby Robson dizia que João Pinto jogava sempre...
UM jogo de futebol pode (de um momento para o outro) passar do sentimento de uma festa de casamento para o plangor de um funeral. E uma equipa também - de um jogo para outro ou de outro para outro (e ainda outro). Foi o que aconteceu com Benfica (se bem que eu ache que o que lhe aconteceu não se pode dizer que o tenha atirado para o plangor do funeral, pelo menos para já) - e quando tal sucede há desde logo culpado assentado: o árbitro. Depois, vai havendo outros - dos jogadores ao treinador. No rescaldo da derrota do Benfica em Chaves - apontando-se (em escarcéu esbaforido) a culpa dela ao VAR e a João Pinheiro o FC Porto (ou a responsáveis indiretos que se soltam sempre do que são às vezes delírios mais ou menos insinuantes) - sondagem (online) entre leitores de A BOLA pôs o ónus maior da crise em Roger Schmidt - e não, não me parece que seja o mais justo.
José Mourinho afirmou-o:
- Sou treinador de futebol, não sou o Harry Potter. O Harry Potter faz magia, no mundo real a magia não existe, é ficção - e o futebol é realidade...
Sim, o futebol é realidade, sobretudo a realidade que se solta dos resultados - e é realidade porque, no futebol, não se ganha através de varinhas mágicas ou pozinhos de perlimpimpim. E só se ganha fazendo bem o que não pode deixar de se fazer melhor para não se perder (ou para não se deixar de ganhar). E não, não me parece que tenha sido por aquilo que Roger Schmidt fez contra o FC Porto, contra o Inter e contra o Chaves que o Benfica perdeu (ou deixou de ganhar). Aliás, a Romário apanhou-se-lhe ideia ainda mais poética ou filosófica (mesmo não o parecendo) que a mágica ideia de Mourinho:
- Treinador bom é o que não atrapalha…
e, no caso de Roger Schmidt, o que se percebeu desde a sua primeira hora na Luz foi que ele é mesmo isso: treinador bom - por não atrapalhar. Mas mais: treinador ainda melhor por não se atrapalhar (nem me parecendo ainda que venha a atrapalhar-se pelo destino - ou pelas vozearias...) Menos poética ou filosófica que a de Romário, mas mais sagaz e fundamental é ideia de José Maria Pedroto:
- Na escolha dos jogadores começa-se a definir a dinâmica da vitória. E para isso, são necessários jogadores inteligentes e emocionalmente fortes, capazes de assimilar a ideia de jogo…
e, nisso, na escolha por Roger Schmidt dos jogadores que definiram (durante meses a fio) a dinâmica de vitória do Benfica, o que se viu foi também mais do que argúcia - a sua esperteza para tornar os jogadores da sua aposta em jogadores melhores do que que se imaginava que eles eram (dando no que bem se sabe...) Igualmente sagaz e fundamental é uma outra ideia, ainda de Pedroto:
- A ideia de jogo não nasce de um passe de mágica, constrói-se e implementa-se, tendo sempre presente dois aspetos: o que nós pretendemos e as características dos jogadores. Podemos ter uma ideia de jogo bem definida, podemos até ter jogadores que a saibam interpretar perfeitamente, mas para que os resultados sejam aqueles que pretendemos, há um fator em que não podemos errar: saber sempre como vamos dispor a equipa face ao adversário.
E aí sim: podem estar o indício da responsabilidade maior (ou culpa maior) de Roger Schmidt: não dar em doses mais ou menos homeopáticas um bocadinho mais de pulmão a equipa que, com o tempo a passar, se revelou menos folgada, mais cansada. E sim: no futebol, as derrotas que se sofrem pesam quase sempre mais que os quilómetros que se fazem (sobretudo quando se tem uma ideia de jogo como a ideia de jogo de Roger Schmidt) - e é aqui que pode entrar também o Jorge Valdano:
- Por vezes, no futebol, transmitir uma boa emoção é mais eficiente do que explanar uma boa ideia…
É mesmo - e eu não tenho dúvidas: para que Roger Schmidt não se vá tornando treinador que atrapalha (ou a atrapalhar-se), para que não falhe (ou não volte a falhar-lhe) a boa ideia de jogo (que ele conseguiu que, durante meses, os seus jogadores levassem até mais além...) - tem de chegar a Milão com boa emoção, a boa emoção que leve a que cada um dos seus jogadores jogue esse jogo (e o pode ser o seu sonho) como Bobby Robson dizia que João Pinto jogava todos os jogos (e sonhos):
- … com dois corações e quatro pulmões.