Refletir
Não sei quantas vezes falei, neste meu espaço de opinião, sobre a expressão que hoje dá título a esta crónica. Foram muitas, seguramente. A definição mais básica que encontrei sobre a palavra refletir é aquela que, a meu ver, melhor preenche o seu conceito: refletir é pensar, questionar e abordar. É pensar sobre assuntos importantes, questionar temas relevantes, abordar aspetos que devem ser abordados.
Há muito que tinha esta convicção: o futebol português precisa de uma pausa para refletir. De uma pausa para juntar, num só espaço e pelo tempo que for necessário, todas as suas personalidades mais relevantes. Precisa fazer uma espécie de Jornadas de Mudança, para as quais muitos teriam que ser chamados a contribuir. E isso para quê? Para acertar agulhas. Para redefinir estratégias. Para perceber onde estão e para onde querem caminhar. Para corrigir o que está mal e reforçar o que está bem. Para avançar como um todo. Como uma só indústria, em que o sucesso de um seria, direta ou indiretamente, o sucesso de todos. Não houve, até à data, essa oportunidade e não interessa agora dissecar porquê. O que interessa é ter a capacidade de ver que ela surgiu agora, ainda que num formato diferente daquele que idealmente devia acontecer.
Nesta fase, de maior resguardo e distanciamento, não é sensato (nem possível) juntar, no mesmo lugar, dirigentes das estruturas do futebol e responsáveis maiores dos clubes, treinadores e jogadores, árbitros, comentadores e imprensa. Mas essa impossibilidade física não impede que cada um deles possa pensar sobre o contributo que pode e deve dar à indústria.
Meus senhores, ouçam o que a natureza parece querer dizer-vos/nos com a sua trágica subtileza: há coisas maiores, bem maiores do que aquelas a que dão/damos valor excessivo. Há variáveis que não controlam/controlamos, por muito fortes, ricos ou poderosos que sejam/sejamos.
Neste momento, a preservação da nossa vida e da vida daqueles que amamos é a coisa mais importante de todas. A única que interessa. Quando se chega a essa conclusão-limite, é fundamental que tenhamos a sensatez, humildade e inteligência de dar, a tudo o resto, o valor que tudo o resto tem. E, hoje, esse valor é escasso. Irrelevante. Irrisório. De que serve usarmos armas desiguais para atingir objetivos idênticos, se depois um qualquer coronavírus da vida nos manda para casa e nos mostra quem manda de verdade? De que serve a conquista, a todo o custo, de qualquer troféu ou reconhecimento momentâneo, quando - neste momento - isso vale zero, absolutamente zero? De que serve a chico-espertice, a trafulhice de algibeira e esquemas questionáveis, quando, de repente, passamos a vida a olhar, desconfiados, para quem tosse a dois metros de nós? De que serve a gritaria estratégica, a comunicação feroz, a tática de guerrilha, se agora nem podemos sair de casa para a atirar aos céus? De que serve tudo isso, quando o mundo nos ensina que somos bem mais pequenos do que pensávamos? Tão pequenos que andamos de máscaras e luvas para que um maldito bicharoco microscópico não nos entre pelos pulmões dentro?
Quando regressarmos ao ativo - e iremos regressar em breve - temos de regressar diferentes. Maiores. Gigantes. Temos que regressar com mais ética, valores e verdade. Com mais dimensão humana e transparência. Com máxima honestidade e sinceridade. Já vimos que o oposto não compensa, porque condutas assim, no fim, nunca compensam.