Realidade e perceção de realidade
A verdade, nua e crua, é que a descrença cá fora é esmagadora e difícil de contrariar
U MA das primeiras coisas que me disseram quando terminei o curso de árbitro foi que a nossa atividade era um pouco como a mulher de César: não bastava ser, era preciso parecer. «Cuidado, Duarte. Não é só o que tu realmente fazes, é também a forma como os outros o percecionam.»
Ao longo dos tempos fui percebendo que essa verdade não era coisa apenas da arbitragem: era também comum a outros agentes desportivos. De facto, a realidade importa mas também conta (e muito) a forma como é interpretada cá fora.
O futebol move-se devido à atuação de um conjunto variado de intervenientes desportivos mas, em rigor, é dos adeptos e para os adeptos. É das pessoas e para as pessoas. A imagem que elas têm deles, do jogo e do espetáculo, conta e conta muito.
Aliás, é nessa ideia de verdade que assenta parte significativa da força da indústria. Quanto mais valorizada, respeitada e procurada for, mais valor terá. E se tiver valor, terá outros argumentos. Poderá ser mais robusta, competitiva e apelativa. Não é muito difícil de fazer esta conta, pois não? Mas às vezes, parece.
É que o futebol português ainda não conquistou totalmente esse espaço, o de ganhar pontos à realidade percecionada. E não o conquistou por culpa própria. Por estar demasiado ocupado com os seus desafios internos, desinvestindo na forma como os outros o veem.
A verdade, nua e crua, é que a descrença cá fora é esmagadora e difícil de contrariar. A maioria das pessoas estão cansadas de fait-divers, de intoxicação comunicacional e de narrativas demodé. Pode não parecer, mas estão. As arbitragens continuam a ser o prato do dia, mas já não são o único. A elas juntam-se agora a justiça desportiva (que de repente parece que já não é só desportiva) e a saturação latente para tudo o que são choradinhos, comportamentos tresloucados, incentivos camuflados à violência, discursos parciais e mais uma mão cheia de minudências que tornam feia a imagem de um jogo tão bonito.
O futebol tem que ser gerido de dentro para fora e tem muito que fazer, mas não deve deixar de refletir sobre isto. É fundamental que procure reconquistar, com sensatez e estratégia, a confiança de quem paga para ver e estar no jogo. É importante que volte a chamar para si as pessoas, mostrando-lhes que as coisas podem voltar a funcionar de forma séria, competente e célere. É crucial que encontre formas de fazer com que o povo volte a acreditar, a elogiar e a consumir. Convictamente. Assiduamente.
Se tudo estivesse realmente a correr bem, porque razão é que a maioria das pessoas pensaria que está tudo mal?