Questão de mentalidade

OPINIÃO24.02.202205:30

O que leva o Benfica a ser tão irregular de jogo para jogo e dentro do próprio jogo? O desafio das águias chama-se agora ‘estabilidade’

P ODE o Benfica estar satisfeito pelo resultado  de ontem na primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões, frente ao Ajax, no Estádio da Luz, o que também é um sinal dos tempos atuais dos encarnados: quando são baixas as espectativas tudo o que acontece de bom ganha uma dimensão superior. Mas que não haja dúvidas: um empate a duas bolas frente à equipa que detém o segundo melhor ataque da Europa (com o devido desconto de que a Eredivisie é um convite permanente ao golo) e se apresentava como claro favorito (recorde-se o que fez na última visita a Lisboa, quando goleou o Sporting por 5-1 na fase de grupos da presente edição da prova milionária) é um bom resultado, pois deixa tudo em aberto para o jogo de Amesterdão. Uma coisa seria sair de Lisboa com um 2-2 sob o velho regulamento, em que os golos marcados fora de casa valiam como critério de desempate, outra coisa é viajar para os Países Baixos sabendo que as contas são tão simples quanto isto: está zero a zero e passa quem ganhar (mesmo nos penáltis). Psicologicamente é algo muito mais reconfortante. É uma experiência nova e que por isso ficará na história.
Deve o Benfica estar parcialmente realizado no final do jogo porque o início da partida fazia antever novo episódio de um filme de horror. A forma descarada como o Ajax caiu em cima de Weigl e dos laterais (Gilberto e Grimaldo) na fase inicial de construção das águias teve bons resultados (a falta de soluções de Nélson Veríssimo perante esta estratégia ficou bem à vista e se Ten Hag mandou os seus jogadores arriscarem tanto é porque sabia que os encarnados têm muitas fragilidades) e a quem assistia à partida ficava com a sensação de que os neerlandeses eram,  estruturalmente, muito mais fortes que os portugueses.
Valeu ao Benfica também uma boa dose de sorte que por vezes tem faltado, por exemplo, no campeonato: o autogolo de Haller, o falhanço do mesmo ponta de lança de baliza aberta depois de a bola ressaltar do poste... Detalhes que num jogo com esta envergadura fazem toda a diferença.
Mérito de Nélson Veríssimo que na segunda parte conseguiu mudar. Fez perceber à equipa que o Ajax, por ser fiel ao seu estilo de jogo, abre espaços nas suas costas, debilidade que Rafa, Darwin e Gonçalo Ramos souberam aproveitar nos momentos de descompensação tática do opositor. O golo de Yaremchuck trouxe justiça e garantiu às águias o direito de, pelo menos, sonhar, o que já é muito face ao poucochinho que se adivinhava antes do encontro.
Só após a soma das duas mãos ficaremos a perceber o quanto de dedicação e mérito houve na subida do Benfica e quanto de demérito e relaxamento do Ajax, equipa que nos deu a sensação de, sabendo da sua superioridade (individual, técnica e tática) pagou pelo excesso de confiança. Seja como for, a atitude dos encarnados merece o elogio, o que coloca outro tipo de questões: porquê tanta irregularidade de jogo para jogo e no próprio jogo? É só um problema técnico e tático ou mais amplo, do ponde vista da mentalidade, cultura e sentimento de pertença? O maior desafio que se coloca a Veríssimo e aos seus jogadores é o da estabilidade. Reagir a um resultado negativo em casa, mesmo que diante de uma grande equipa é mais fácil quando há mais de 50 mil pessoas a puxar; já agir preventivamente rebocando os adeptos é o mais difícil porque isso só está ao alcance das equipas com uma solidez que este Benfica ainda não tem.

O S jogos das competições europeias servem também para colocar em perspetiva o comportamento dos jogadores e dos árbitros. Tal como assistimos no FC Porto-Lazio (com excelente conteúdo), ontem vimos alguns jogadores do Benfica tentarem simulações que, porventura, seriam assinaladas em Portugal. O árbitro, e bem, nem ligou. Os jogadores não protestaram e, tão ou mais importante, o público também não. É fundamental que os juízes em Portugal tenham a coragem de não ligar e pararem com as arbitragens defensivas. Eles também têm muita culpa no fraco tempo útil de jogo que envergonha um campeonato que tenta pertencer ao top 5 da Europa.