Quando Cristiano deixa de ser eucalipto...
Bernardo Silva e Cristiano Ronaldo (IMAGO / BSR Agency)

Quando Cristiano deixa de ser eucalipto...

OPINIÃO09.09.202415:00

Oxalá este CR7 que defrontou a Escócia tenha vindo para ficar: sem tiques de ‘prima dona’, sem os defeitos do eucalipto, galvanizador, a pensar primeiro na equipa, e só depois nele…

A dupla jornada caseira da Seleção Nacional, a contar para a Liga das Nações, culminada com vitórias por 2-1 sobre Croácia e Escócia, recuperou para a ribalta a questão da utilização de Cristiano Ronaldo, 39 anos e 250 dias, na equipa de todos nós.

Depois de duas participações mal conseguidas do melhor goleador da história do futebol no Mundial do Catar e no Europeu da Alemanha, levantaram-se vozes (a minha incluída), perguntando se não seria tempo de um ‘adeus’ às armas de CR7 na turma das quinas, onde nos jogos importantes estava a deixar de fazer a diferença, revelava dificuldade em integrar-se no labor defensivo da equipa, condicionava a manobra coletiva de Portugal, e funcionava como um eucalipto na execução das bolas paradas. A tudo isto, Cristiano Ronaldo foi respondendo com uma mal disfarçada arrogância, chegando ao ponto de escolher mal as palavras quando, muito recentemente, afirmou uma coisa sem nexo algum, a propósito deste tema: «Acabado? E o resto que eu fiz? E o meu passado?»

Também Roberto Martinez se mostrou pouco à vontade não só quando foi chamado a pronunciar-se sobre a utilização de CR7, como ainda – mais ainda, diria – quando teve de gerir a sua utilização.

Por exemplo, no Campeonato da Europa realizado em junho/julho de 2024 na Alemanha, Martinez utilizou Cristiano Ronaldo em 486 minutos dos cinco jogos disputados por Portugal nos 17 dias em que esteve em competição, sem resultados positivos. Pela primeira vez o astro do Al Nassr ficou em branco num Europeu (e já esteve em seis, com um primeiro, um segundo e um terceiro lugares, com 11 golos marcados), e o seu rendimento foi, para os padrões a que habituou o mundo, modesto.

ALGUMA COISA MUDOU

Porém, desta vez, alguma coisa mudou, quer no discurso de Martinez, quer na atitude Ronaldo. E para melhor. O treinador espanhol começou, finalmente, a lembrar que é preciso ter em conta a idade de CR7 e dosear os seus esforços, de forma a dele tirar o melhor rendimento possível. Não se trata propriamente de descobrir a roda, mas admito que não tenha sido fácil, atendendo a várias conjunturas que se cruzam, fazê-lo. E quais são essas conjunturas? Nunca fui adepto de teorias da conspiração, e continuo a achar que a explicação mais simples é sempre aquela que mais se aproxima da realidade. Portanto, Cristiano Ronaldo nunca foi convocado porque o empresário tinha o selecionador no bolso, nem a marca que equipa a Seleção o exigia contratualmente. Simplesmente, CR7 tem um peso específico intangível e infungível na Seleção que, se quisermos, ficou patente na forma como o estádio da Luz acolheu a sua entrada na partida com a Escócia, atingindo o ponto de ebulição, e ganhando um novo ânimo que foi importante para a ‘remontada’ lusa.

Também o próprio Cristiano Ronaldo terá percebido que não é crime de lesa-Pátria utilizá-lo apenas na medida em que ele pode ser útil, sem a obrigação, a que julgava ter direito, de estar em campo todos os minutos, e levando a mal, como se viu no jogo com a Suíça no Mundial do Catar, se não era chamado ao onze inicial, ou mandando-o a jogo, pateticamente, na partida contra a Geórgia no Euro 2024.

Mas há mais, no que respeita à gestão de todos os jogadores, especialmente de CR7, que tem quase 40 anos: uma coisa é fazer dois jogos em quatro dias quando se está no início da época com meia dúzia de encontros nas pernas; outra é, no fim da época, quando o calor aperta e os jogos jogados já andam pelas seis dezenas, ter um mês para realizar um esforço final de sete partidas ao mais alto nível. Portanto, nesta fase, andou bem Martinez ao reservar Cristiano Ronaldo no jogo com a Escócia, e mostrou inteligência emocional ao escolher a segunda parte para lançá-lo para as quatro linhas, sabendo do efeito galvanizador que teria perante as bancadas e não só.

O ‘NOVO’ CR7

Mas há que ser justo e dizer que também esteve bem Cristiano Ronaldo nos 45+5 minutos que teve contra os escoceses, ao abandonar a pose de ‘prima dona’ que tantas vezes se lhe viu nos últimos tempos, passando mais tempo a gesticular com os árbitros e a protestar com os colegas do que empenhado no jogo, e a arrancar uma exibição virada para o coletivo, em que, para além do golo da vitória e das duas bolas aos ferros, teve muitos momentos de entendimento com os companheiros, não procurando fazer tudo sozinho (magistral a tabela de calcanhar com João Félix, que rematou para grande defesa de Gunn), e empenhou-se na ajuda defensiva, sprintando na recuperação de duas bolas quando os escoceses saíam para o contra-ataque. Houve, na exibição de Cristiano Ronaldo contra a Escócia, uma integração na equipa e uma humildade e respeito pelo coletivo que já não se via nele há muito tempo. Este Cristiano Ronaldo, que é usado na medida do que tem para dar, e que se dá à Seleção Nacional sem secar tudo à sua volta, acrescenta e continuará a ser bem vindo, ao contrário do ‘outro’, que espero que tenha ido embora de vez.

INTENSIDADE CONSTANTE

Quanto à Seleção Nacional, onde as opções continuam a abundar, Roberto Martinez, desde que não abuse e mantenha alguma coerência, tem matéria prima para dar fogo à sua vertente camaleónica, quer mudando o sistema sem mexer nos jogadores em campo, quer introduzindo as mudanças que quiser no sentido de manter a equipa portuguesa sempre com um ritmo alto. Com tanta fartura e cinco substituições para fazer, não há nenhuma razão para a equipa tirar o pé do acelerador, a não ser por estratégia, se a opção for de baixar linhas para aproveitar espaços nas costas do adversário. Mas com um meio-campo tão rico e tão pressionante, com duas opções de excelência para cada lugar, a vocação desta equipa será sempre mais virada para a frente do que de marcha à ré. Aliás, foram os períodos de desconcentração, em que sem razão nenhuma se tirou o pé do acelerador, aqueles que mais danos causaram à Seleção Nacional, com Roberto Martinez e não só.

PS - Palavra final para Rafael Leão: tem cinco anos pela frente para se afirmar como um dos melhores jogadores do mundo. Oxalá tenha cabeça para conseguir aproveitá-los e deitar cá para fora todo o seu potencial, porque futebol não lhe falta.