Pescadinha de rabo na boca
Os grandes querem mais descanso interno para terem mais dinheiro externo à custa dos mais pequenos. Não parece fazer muito sentido
A tendência da maioria das pessoas, seja em que área da sociedade for, é proteger os mais fortes. Talvez de forma inconsciente, mas, em regra, é o que se passa. É assim na política, no desporto, nos tribunais ou (como agora se diz) whatever. Benfica, FC Porto e Sporting são, por norma, mais beneficiados (ou menos prejudicados) pelas equipas de arbitragem. As crónicas de jogo de um jornalista centram-se, a 80 ou 90 por cento, nos chamados três grandes mesmo quando um pequeno ganha de forma clara a um deles. Um pequenino pode gritar bem alto que foi prejudicado que, no fundo, no fundo, o grito passa para a opinião pública quase como mero suspiro. Enquanto isso, um suspiro de águias, dragões ou leões depressa se transforma num grito.
P ORÉM, não exageremos. Se Benfica, FC Porto e Sporting continuam a ser, até ver, beneficiados na distribuição das verbas televisivas, com os três a receberem muitíssimo mais do que, por exemplo, SC Braga, V. Guimarães ou Boavista, por que teriam de ver os seus jogos internos adiados para que possam preparar melhor os jogos europeus? Não faz, quanto a mim, qualquer sentido. Benfica, FC Porto e Sporting atingem as provas europeias porque têm mais dinheiro para comprar melhores jogadores, não são obrigados a entrar na Liga dos Campeões ou na Liga Europa, recebem imenso dinheiro por nelas jogarem e, mesmo assim, querem alguns jogos internos adiados para que melhor possam preparar os jogos da UEFA?! É quase uma pescadinha de rabo da boca. Quem já tem mais dinheiro quer ter ainda mais à custa de quem tem menos. Por que razão Chaves, Santa Clara ou Arouca, como no caso da última jornada, teriam de adiar os seus jogos com Benfica, FC Porto e Sporting para que estes preparassem melhor as jornadas da Champions com Maccabi Haifa, Atlético Madrid e Eintracht Frankfurt? Qualquer dia, Benfica, FC Porto e Sporting teriam uma passadeira vermelha ainda mais luzidia nas competições internas, como já têm por exemplo, na Taça de Portugal e na Taça da Liga. Grande que é grande tem de o ser em tudo. Mais dinheiro implica menos descanso? Tenham plantéis mais extensos. Invistam o dinheiro que os pequenos não têm para que possam jogar, por exemplo, de 72 em 72 horas.
É quase como nas convocatórias para as seleções. Quando os grandes não têm jogadores selecionados, cai o Carmo e a Trindade. Agora, a moda é outra: quando os grandes têm jogadores selecionados, cai também o Carmo, a Trindade e ainda os Restauradores, a Torre dos Clérigos, o Bom Jesus de Braga e o Castelo de Guimarães. Em março, quando Rafa marcou um golo na Luz e não festejou, grande parte dos adeptos apontava-lhe o dedo: Rafa, André Almeida, Pizzi e Grimaldo eram as maçãs podres que era preciso estripar. Agora, apenas sete meses depois (!), batem-lhe palmas por ter abdicado da Seleção Nacional. Meus amigos, Rafa nunca jogou como está a jogar e, quando não jogava como agora joga, havia Ronaldo, André Silva, Quaresma, Guedes, Nani, Félix, Diogo Jota, Rafael Leão e Pedro Neto. Este Rafa era titular, mas o outro jogava quando?