Pés pelas mãos

OPINIÃO06.09.201901:30

NÃO é preciso falar muito, o que é preciso é dizer as coisas certas. É a máxima para quem precisa de comunicar para muita gente como precisam, por exemplo, os presidentes dos grandes clubes, como é, evidentemente, o caso do presidente do Sporting, que sentiu necessidade de vir esta semana justificar aos adeptos sportinguistas muitas das decisões que tomou nos últimos dias e muito do que mais recentemente sucedeu na vida mais privada do leão. Falou Frederico Varandas muito; resta saber se disse aos adeptos as coisas certas.
Exige-se ao líder de um grande clube de futebol muito mais do que se exige ao líder de uma qualquer empresa, por maior que ela seja. Porque no futebol, como está bom de ver, o discurso só pode ser um discurso empresarial até às contas; das contas para a frente o discurso é outro. E deve preocupar-se com as emoções; e as emoções é o mais difícil de gerir e controlar.
O futebol exige uma sensibilidade particular. E um apurado sentido estratégico. E ter o sentido da conveniência. É preciso perceber-se que, no futebol, o que se diz não é analisado apenas racionalmente; é interpretado com muita paixão. E é por isso que mais do que falar muito o que o futebol pede, sobretudo, é que se digam as coisas certas.
Por vezes, é preciso explicar porque dois mais dois nem sempre são quatro, e às vezes são cinco; ao mesmo tempo, é também indispensável simplificar a mensagem para que ela seja direta e objetiva. Será preciso dar muitas explicações sobre a razão por que se despediu um treinador? Não! Despediu-se porque se perdeu a ligação. Chega! Nem se põe em causa a competência do treinador nem vale a pena assumir-se que se errou na escolha. Perdeu-se a ligação, ponto final.
Quantos presidentes não tiveram já de despedir treinadores? E quantas vezes se julgou que o treinador era a aposta certa e, com o tempo, se percebeu que, afinal, não era?
O futebol move-se muito pela confiança. Quando a confiança se perde o caldo entorna-se. O futebol é mesmo assim. O que não convém é errar muitas vezes; ou, no mínimo, convém acertar mais do que se erra.
Errar demasiadas vezes talvez seja, aliás, um dos problemas do Sporting. Mas esse não é um problema exclusivo de Frederico Varandas, tem sido um problema do clube nos últimos largos anos, e é preciso reverter essa tendência, e reverter essa tendência é uma tarefa gigantesca para a liderança de Varandas, tendo em conta o estado problemático a que o clube chegou, quer desportiva, quer financeiramente.
No caso de Frederico Varandas, talvez um dos problemas seja o de, quando fala, falar possivelmente demasiado mas nem sempre dizer as coisas mais certas. Um problema de comunicação, no fundo. Que pode corrigir-se com o tempo porque com o tempo aprende-se a estar neste turbulento, complexo, sensível, às vezes tumultuoso, ingrato e emotivo mundo do futebol.

UM exemplo: no caso do despedimento de um treinador (adoram chamar-lhe rescisão amigável) quanto mais o presidente explicar porque decidiu assim maior risco corre de se atrapalhar e meter os pés pelas mãos. Deve dizer-se pouco mas ser-se contundente. Não pode, ou não deve, permitir-se muitas interrogações ou deixar que se levantem demasiadas dúvidas.
Varandas deve fazer com que os adeptos acreditem que está a falar a verdade. E, na verdade, nesta entrevista ao canal do clube, Varandas pareceu sempre estar a falar a verdade. Ele parece, aliás, um homem que procura não fugir à verdade. Mas falar a verdade não deve impedi-lo de saber como dizer essa verdade e qual o momento certo para o fazer. É isso, muitas vezes, que faz a diferença.
No caso concreto do Sporting e do que, mais uma vez, o Sporting se viu forçado a viver nos últimos dias, a questão é agora, muito, uma questão de confiança. De se confiar no presidente, nas decisões do presidente e nas explicações do presidente. O que não é fácil.
De repente, o Sporting ficou sem Keizer (o homem que, apesar de tudo, conduziu a equipa a ganhar mais duas taças ao clube), sem o goleador Bas Dost, sem o talentoso Raphinha e sem a promessa Thierry Correia. Devem os responsáveis leoninos compreender que não é fácil confiar, subitamente, mais agora do que confiavam antes.
É preciso tempo, são, mais do que nunca, precisos resultados, e é essencial que os adeptos sintam uma liderança forte para que acreditem que vai repor-se o clima de confiança sem o qual é muito difícil (para não dizer impossível) ganhar no futebol. Com Leonel Pontes ou com outro qualquer, é indispensável que os resultados ajudem, como ajudaram Bruno Lage no grande rival, ali mesmo ao lado, na Segunda Circular. Sem resultados, tanto faz que o treinador seja o interino Leonel Pontes ou outro qualquer, mais ou menos consagrado.
 
PODE Frederico Varandas ser, como presidente do Sporting, um homem bem intencionado, e não vejo, na realidade, nenhuma razão para acharmos que não é. Mas ele saberá certamente que só as boas intenções não chegam.
Pode até saber como liderar, o que é preciso para liderar, o que deve fazer dentro do clube para afirmar essa liderança. Mas talvez lhe falte saber como mostrar essa liderança. E como fazer com que os adeptos confiem mais nessa liderança.
O que aconteceu ao Sporting nos últimos tempos terá sido, sobretudo, mal gerido e mal explicado. Pelo menos parte do que aconteceu. E todos sabemos como no futebol uma boa decisão mal explicada pode ter um efeito devastador.
Como escrevia, há uma semana, o jornalista Henrique Monteiro, colunista de A BOLA na qualidade de adepto leonino, «já se sabe que se o Sporting não tiver nenhum problema, inventa-o».
É preciso perceber porque raio têm os adeptos essa imagem do clube. Mesmo que sejam apenas alguns adeptos, são, nalguns casos, adeptos que se fazem notar. E fazem, por isso, opinião!

PARECE que está meio mundo preocupado em especular porque não terá conseguido José Mourinho um «clube-top» para voltar a treinar já esta época. Ainda não conseguiu encontrar, certamente, o projeto que mais lhe interessa, além de muitos desses clubes habitualmente designados como «clubes-top» estarem já no final da última época com treinadores contratados e, portanto, sem espaço para pensarem, no curto prazo, no grande treinador português. Saber esperar agora pelo clube certo e pelo momento certo para voltar a treinar não tem nada de mal, bem pelo contrário, já diziam as nossas avós que saber esperar é uma virtude e Mourinho, pelo treinador que é há quase duas décadas, pelo estatuto que o sucesso lhe conferiu, e pelo carisma que soube construir, não pode, ou não deve, aceitar qualquer projeto por mais respeito que tenha por qualquer clube. O que não pode é confundir-se o «saber esperar» com o insólito e absolutamente disparatado «já ninguém o quer».
Ficámos todos a saber, a propósito, que José Mourinho podia perfeitamente ser, agora, o treinador do Palmeiras, do Brasil, que acaba de despedir Scolari e queria, numa espécie de jogada de mestre, contrapor no atual detentor do título brasileiro o impacto de José Mourinho ao brutal efeito que está a ter Jorge Jesus. Mourinho não aceitou e é fácil percebermos porquê. Além disso, também sabemos que Mourinho podia ser, agora, o treinador do Benfica, se tivesse aceite concretizar o assumido sonho de Luís Filipe Vieira, como ele próprio fez questão de publicamente revelar, afirmando com todas as letras em plena televisão que «se Mourinho quiser ser o treinador do Benfica, é já amanhã!».
 Mourinho também não quis e não terá querido, provavelmente, por entender que ainda não é o momento, nem estão reunidas as condições, no Benfica ou noutro, para voltar a ser treinador em Portugal, quando ele, José Mourinho, aspira ainda, com toda a legitimidade, a continuar a ganhar numa das principais ligas da Europa, onde o futebol é o chamado «futebol-top».
Voltou, entretanto, a dizer-se em Espanha que Mourinho segue com atenção o desenvolvimento da época do Real Madrid, onde Mourinho cometeu a proeza de entregar o último título de campeão aos merengues. Não faço a mais pequena ideia se Mourinho segue o Real com mais ou menos  atenção do que seguirá outros dos mais poderosos clubes.
O que me atrevo a arriscar é que Mourinho estará sempre mais perto do Real Madrid do que de qualquer outro. Porquê?
Porque está-se mesmo a ver que o Real Madrid vai voltar a precisar de Mourinho, porque precisa do talento de Mourinho, do estatuto de Mourinho, do carisma de Mourinho, da tremenda vontade de competir e vencer de Mourinho para apagar o tremendo incêndio que parece cada vez mais estar a deflagrar no Santiago Bernabéu.
Ou estarei enganado?