Os excessos dos árbitros

Os excessos dos árbitros

OPINIÃO11.04.202306:30

O árbitro tem a obrigação de ser exemplo de conduta apropriada e respeito máximo

N OS últimos dias, temos visto exemplos que são muito fora do comum. Uma espécie de o homem mordeu o cão em versão árbitro/jogador e que merece devida nota pela pena de alguém que também já se excedeu em campo, permitindo que o instinto momentâneo fosse mais forte do que o dever do profissional. Infelizmente.

Na passada semana, o árbitro Fernando Hernández não gostou da aproximação física com que Lucas Romero (do León) o brindou ao ser sancionado e teve instinto fatal: o de lhe dar uma joelhada nas partes íntimas. A expressão facial do juiz internacional mexicano não deixou dúvidas sobre a intencionalidade do gesto. Claro que foi momento inesperado e, repito, instintivo... mas foi feio, e tem que ter consequências disciplinares à altura. Afinal, o árbitro - mais que qualquer outro agente desportivo - tem a obrigação de ser exemplo de conduta apropriada e respeito máximo. Todos têm momentos menos bons sob pressão, mas uma agressão física, à joelhada, a um jogador... é outro nível.

No domingo, o Liverpool-Arsenal teve um momento surreal ao intervalo, que foi captado em vários vídeos que agora circulam na internet (hoje, há sempre alguém com telemóvel à espreita): o árbitro assistente FIFA Constantine Hatzidakis atingiu, com o cotovelo direito, o rosto do lateral Andy Robertson, quando este se aproximava de si para lhe dirigir a palavra. O gesto foi intencional e disso não restam dúvidas. Não se sabe bem o que terá motivado tamanha reação, mas ela foi visível, ostensiva e inqualificável. O que se sabe é que o infortúnio terá custo muito alto na carreira de Hatzidakis. A PGMOL - entidade que gera a arbitragem profissional em Inglaterra, agora liderada por Howard Webb - tem tolerância zero para atitudes desta natureza. O castigo, se ainda não saiu, será anunciado muito em breve. Isso é garantido.

Antes disso, um árbitro polaco conseguiu a proeza de fazer algo mais inusitado: Pawel Raczkowski, também internacional, estava nomeado para o AEK-Aris, da primeira liga grega. Alegadamente ter-se-á embebedado no voo para Atenas, andado à pancadaria com outro passageiro durante o voo e, desaparecido no aeroporto, não compareceu ao jogo. Não é um filme de ficção: aconteceu mesmo e tem contornos surreais.

Iniciei esta crónica a dizer que sei bem o que é essa coisa de nem sempre estar à altura do que se espera e exige a um árbitro de futebol profissional. Ao longo da carreira, falhei em um ou dois momentos, reagindo com emoções inaceitáveis a situações que exigiam outro equilíbrio e sensatez. Condeno-me por isso. Lembro-me também de uma ocasião em que um colega, por sinal um dos melhores árbitros que Portugal já viu nascer, ter tido a infelicidade de dizer a palavra errada, com o tom errado, no momento errado. Foi suspenso e crucificado publicamente numa decisão que, na minha opinião, foi demasiado injusta porque descontextualizada.

Mas estes momentos recentes que aqui vos trouxe têm padrão distinto, de maior fisicalidade/violência, eventualmente associados a mais cansaço, intolerância e incapacidade em lidar com a pressão. Mas essa, por muito anormal e intrusiva que seja, não pode permitir que árbitros com este estatuto e experiência agridam jogadores ou se embebedem em voos de âmbito profissional. A responsabilidade que carregam é enorme e é fundamental que saibam gerir esse peso, sob pena de beliscarem não só a sua imagem, como sobretudo a de toda a classe da arbitragem.