Os dois lados da barricada

OPINIÃO20.06.202306:30

Representar o país é o último dos objetivos, a maior das vitórias de qualquer desportista

C ONFESSO que fiquei enojado ao ouvir os assobios com que o jogador português Otávio foi brindado, em pleno Estádio da Luz, quando entrou em campo, no último domingo, para representar a Seleção portuguesa.

Infelizmente, não estranhei: há não muito tempo, tinha sentido exatamente o mesmo quando vi João Mário ser brindado com idêntica receção em Alvalade. Recordo-me de também ter ficado revoltado quando vi a forma como João Félix foi tratado, à chegada a um hotel no Porto, para estágio em representação da Seleção Nacional.

Já tinha visto idênticas manifestações de ódio na relação jogadores vs clubes, mas aí a guerra é outra e o conformismo com que todos a aceitam também. Lamentavelmente.

Mas ali não. Ali estamos a falar de algo que devia ser transcendente a tudo isso. Portugal jogou. E quando Portugal joga, os portugueses a sério, os portugueses de bem, apoiam incondicionalmente.

Quando não o fazem, mostram que há qualquer coisa de muito doente nas suas almas, nos seus corações. Só isso justifica o facto de alguém vaiar ininterruptamente um jogador da nossa Seleção só porque ele, em termos individuais, atua no Benfica, FC Porto ou Sporting.

Para mim, a questão é muito, muito clara: qualquer manifestação deste nível em relação a atletas, técnicos ou demais pessoas que representem Portugal, é desprezível. Quem as protagoniza também. Não pode ter educação nem qualidade humana quem se dá ao trabalho de ir a um estádio ver o seu país em ação e depois destratar um jogador que, naquele instante, está a lutar pelo mesmo que ele. Um jogador que, naquele instante, está seguramente a dar o melhor de si em nome dele, em nosso nome, em nome da nossa pátria.

Se quem está ali não aprecia o estilo, caráter ou até atitude de X ou Y, tem sempre a opção de não aplaudir. Tem a opção de não se manifestar. Pode não festejar os seus golos, não vibrar com as suas fintas nem entusiasmar-se com a forma como joga. É mau, mas menos mau. Agora assobiar, insultar, perturbar ativamente a sua concentração e desempenho, desculpem, mas é de verme.

Essa é a minha opinião.

Dito isto, passemos para o outro lado da barricada, que é como quem diz, para aquela que deve ser a postura, a forma de atuar e o posicionamento desportivo e público daqueles que, a dado momento, têm a enorme honra de serem chamados a vestir a camisola deste fantástico país.

Qualquer desportista (e não estou a falar apenas de futebolistas) que seja convocado para representar Portugal deve ser mais, muito mais do que um talento técnico ou do que um bom atleta.

Representar o país é uma honra que não pode caber apenas a quem só tem qualidade técnica. Deve caber sobretudo a quem também tem enorme dimensão ética, desportiva e humana.

Representar o país é o último dos objetivos, a maior das vitórias. Quem tem o mérito de ser selecionado tem que sentir na pele o peso e responsabilidade que essa chamada acarreta.

Na equipa de todos nós não pode haver espaço para garotos que têm jeito para a coisa mas que são maus desportistas. Não pode haver espaço para quem demonstra ser reiterada e sistematicamente malformado e desrespeitoso com colegas, adversários e afins. E não pode porque atletas assim jamais perceberão a verdadeira dimensão que essa nomeação implica.

O país deve ser representado pelos melhores a nível humano e técnico. Por essa ordem.

Aí cabe a quem seleciona, a quem convoca, a quem escolhe, ter essas orientações em conta. E seguramente terá.

Nenhum atleta ou competidor deve ser assobiado ou maltratado em nenhuma circunstância, tal como nenhum deve servir o seu país sem dar provas continuadas de estar à altura desse privilégio.

Esse é o equilíbrio que se deseja da parte de quem chama e a exigência que devemos ter da parte de quem apoia.