O tempo útil

O tempo útil

OPINIÃO05.05.202306:30

Ter deixado de jogar a meio da semana fará alguma diferença na equipa do Benfica?

Éincontornável considerar cada um dos jogos do Benfica como mais ‘uma final’ para as águias na discussão do título nacional de 2022/2023. Líderes desde a 1.ª jornada da Liga, os encarnados sabem perfeitamente que a designação de autênticas finais apenas surgiu por terem, em apenas duas jornadas, cedido seis pontos e visto assim reduzida de 10 para quatro os pontos de vantagem sobre o campeão FC Porto e para seis a diferença para o SC Braga, adversário, este sábado, na Luz, daquele que é, evidentemente, ainda, o principal candidato a ser campeão de 2023.

Não se trata de considerar maior a pressão sobre o Benfica do que sobre o FC Porto; pressão, como costumam, e bem, definir os treinadores, têm-na todas as equipas que jogam por títulos. Do ponto de vista matemático, tão importante é para o Benfica o confronto de amanhã com o Braga como para o FC Porto é a deslocação, segunda-feira à noite, ao campo do surpreendente Arouca, atual 5.º classificado da Liga e fortíssimo candidato à Liga Europa da próxima época. Mas a pressão, neste caso, parece-me maior sobre quem vai à frente, por paradoxal que pareça, porque quem vai atrás, se continuar atrás, atrás fica, se é que o leitor compreende o que digo...

DE um certo ponto de vista, e ainda seguindo a matemática simples, aconteça o que acontecer na Luz, o Benfica continuará a ser o líder da Liga, e nesse sentido, no sentido da matemática simples, jogará o Benfica (em teoria, claro) ligeiramente menos pressionado, sabendo que nunca perderá, neste encontro, o primeiro lugar.

Acontece que no futebol, como um jogo e principalmente como um tremendo jogo de emoções, são muito poucas as aplicações da matemática simples. Por isso alguns defenderão a ideia de a vitória do Benfica significar praticamente o título, ao mesmo tempo que considerarão eventual derrota possivelmente (ou provavelmente) fatal para as aspirações da águia. Tem que ver com a forma, legítima e apropriada, como se observa o futebol, pela força das condicionantes emocionais e pelo estilo de jogo que cada equipa apresenta como refletindo o chamado caráter do conjunto de jogadores que a forma. E o Benfica, o que mostrou em abril, foi não ter ainda o estofo que os adeptos esperavam que tivesse.

Há, porém, um aspeto a partir do qual me parece poder esperar-se melhoria da condição geral da equipa do Benfica, que, sobretudo na última partida, em Barcelos, já deixou a ideia, ainda que pouco confortávelpara os adeptos, de uma maior disponibilidade física para o jogo: tem a ver com as ‘semanas limpas’ de trabalho para a equipa técnica de Schmidt (sem jogos a meio da semana desde a eliminação, pelo Inter, da Liga dos Campeões, há duas semanas e meia), que podem, nesta altura do campeonato, fazer alguma diferença pelo ‘tempo útil’ que deixam ao treinador alemão e à recuperação dos jogadores, até aqui ‘massacrados’ pelo ritmo e intensidade das competições e, no caso do Benfica, claramente sem plantel para andar sentado… nas duas cadeiras (campeonato e Champions) como vi, e li, tantas vezes, usada a expressão.

SE verá, pois, este sábado, no grande espetáculo que se prevê na Luz, se o líder confirma a indicação deixada em Barcelos, mesmo considerando que defronta um Sporting de Braga que tem mostrado tremenda regularidade e bom futebol, apesar dos cinco golos encaixados em Alvalade e os quatro no Estádio do Dragão, nos jogos da Liga, até agora, frente aos grandes, fora de casa, e da recordação dos 6-1 com que foi goleado na última visita à Luz, em novembro de 2021, pelo Benfica de Jesus, apesar de na Luz o Braga ter ganho, nas duas vezes anteriores, para os campeonatos de 19/20 e 20/21. Pelo contrário, se verá se ao FC Porto poderá ou não fazer alguma mossa o ter discutido, a meio destas duas últimas semanas, a meia-final da Taça de Portugal com  Famalicão. 

Escrevi o essencial deste texto antes do FC Porto-Famalicão de ontem, mas forçado a 120 duros minutos de jogo para chegar à final da prova rainha - fantástica quarta presença portista nas últimas cinco finais -, esperam, certamente, os adeptos do FC Porto não ver a equipa repetir, em Arouca, a ‘pobre’ ação atacante dos últimos jogos, como frente ao Boavista - um só remate enquadrado, naturalmente o do penálti convertido por Taremi, que valeu a vitória… 

CONFESSO admiração pelo futebol que Rúben Amorim gosta que as suas equipas joguem. Menos admiração por algum do jogo de palavras que, por vezes, gosta de exibir, mas enorme reconhecimento pela forma como lidera e pelo futebol que prepara para a equipa apresentar. Creio que pelo que se viu na segunda volta do campeonato, o Sporting pagou realmente caro (como aqui já deixei escrito) o exigente calendário com que começou a competição.

Quando ainda faltam quatro jornadas, o leão de Rúben Amorim não apenas melhorou, globalmente, a qualidade do jogo como já somou tantos pontos como em toda a primeira volta: 32. É verdade que registou o mesmo número de vitórias (10) e de empates (2), mas somou apenas uma derrota contra as cinco nas primeiras 17 jornadas.

Ou seja, para uma equipa que chegou (com brilhantismo) aos quartos de final da Liga Europa (após instável fase de grupos na Liga dos Campeões), o campeonato devia ter começado na segunda volta e não na primeira. O tempo útil da equipa leonina teve, claramente, outra expressão este ano, sobretudo a partir dos 5-0 com que os homens de Amorim golearam o Braga e arrancaram para a segunda volta da Liga.

Não é, porém, nada disso que faz com que o nome de Rúben Amorim esteja nas conversas de responsáveis de clubes estrangeiros (nomeadamente dos ingleses do Tottenham ou Chelsea), mas sim o bom futebol que o Sporting foi apresentando nas competições da UEFA (a memória não deve ser assim tão curta). 

AS equipas do Sporting, em primeiro lugar, e do Benfica, em segundo, são as que mais contribuem para o tempo útil dos jogos do campeonato. São, pois, as equipas como melhor percentagem de tempo útil de jogo na média dos 30 encontros já realizados no campeonato. A terceira melhor equipa nessa avalização é o SC Braga e a quarta o Casa Pia. O campeão FC Porto surge no 12.º lugar, e pior apenas as equipas do Chaves, Estoril, Paços de Ferreira, V. Guimarães, Portimonense e Marítimo. Numa classificação por tempo útil de jogo, não deixa de ser surpreendente como o campeão nacional, nesta altura, nem à Europa iria…

Por outro lado, nos vinte jogos com mais tempo útil de jogo até ao momento (ao cabo de 30 jornadas), também não surge qualquer jogo do campeão FC Porto. Oito jogos envolveram o Sporting, seis o Benfica, seis o Rio Ave e cinco o SC Braga e Gil Vicente. Define, oficialmente, a Liga como tempo útil de jogo o «tempo total de posse de bola em jogo, resultante da soma dos tempos de posse de bola de cada equipa», traduzindo e refletindo «o tempo em que a bola está efetivamente em jogo».Fica apenas a curiosidade de números que dizem, neste caso, alguma coisa sobre o jogo que se joga em Portugal e do tão propalado tempo útil sobre o qual os treinadores de futebol tanto gostam de proclamar a exigência de refletir.

Quanto mais o jogo está parado menos tempo útil, obviamente, o jogo tem. E se as equipas de Sporting, Benfica e Braga são as que mais contribuem para melhor tempo útil de jogo significa que, regra geral, é nos seus jogos que o jogo está menos parado. O que, objetivamente, significará também que são estas as equipas que mais futebol querem, simplesmente, jogar. O chamado, diria eu, jogo pelo jogo e não jogo pela estratégia. São os números que o dizem, e não dizendo tudo, há aspetos em que os números nos dizem muita coisa. Este é um deles. São os próprios treinadores que o dizem!

Apropósito, e refletindo numa eventual saida de Portugal de Rúben Amorim, a única coisa que me parece é que o Chelsea será, nesta altura, um dos melhores projetos para qualquer treinador (sobretudo, jovem treinador), porque tendo tudo a ganhar, não terá muito a perder. Como se vê pelo desgraçado rumo que tomou a equipa escolhida pelo ex-benfiquista Enzo Fernández, provavelmente no lugar certo, admito, mas na hora errada, já para não falar de outra ex-águia, João Félix, que foi para Londres à procura da felicidade que já não sentia em Madrid, e o que encontrou foi, até agora, surpreendente e inesperado pesadelo. Num e noutro caso (como, no fundo, em muitos casos na mais alta competição) talvez nada melhor do que procurarem um profissional apoio psicológico, como tão bem vi, recentemente, ser defendido por jogadores como Nacho Fernandez (do Real Madrid) ou Dibu Martínez (Aston Villa, guarda-redes campeão do mundo pela Argentina), que não escondem, com magnífica simplicidade, a importância da terapia, em tempo últil, na exigente pressão com que têm de lidar. 

Vale a pena pensar nisso!