O que se passa com as pessoas?
Aquilo que os outros fazem dirá sempre mais deles do que dos alvos da sua ira
A NTES do advento das redes sociais, ninguém sabia bem o que se passava na cabeça dos outros. Conhecíamos as ideias dos amigos, as perspetivas dos colegas ou as opiniões da família, mais do que isso, não. A nossa geração nasceu numa realidade em que distância física equivalia a distância real e isso valia para tudo. Agora não. Os tempos mudaram e as pessoas podem dizer o que pensam a qualquer hora. Basta que queiram partilhá-lo. Têm mil e uma maneiras de o fazer, sem mexer a ponta de um dedo (ou melhor, tendo que mexer a ponta de um dedo). Esta universalidade de participação levanta vários desafios, alguns bem difíceis de lidar.
Naturalmente que há vantagens (e muitas) na globalização da opinião. Manifestar um ponto de vista é fundamental para o reforço da autoestima e para a sensação de fazer parte, de estar integrado num projeto, ideia ou solução. Há também coisas fantásticas que só nasceram pelo contributo de gente ativa e participativa. E não esqueçamos: quantas foram as vidas salvas devido à informação que circulou entre pessoas, no momento certo? Quantas almas não beneficiaram da solidariedade daqueles que se associaram a movimentos que se tornaram virais, por força da partilha de opiniões e ideias válidas?
O problema não mora aí, mas no reverso da medalha. Por cada opinião partilhada que é boa, inócua ou apenas indiferente, há várias carregadas de raiva e ódio. Isso, sim, é preocupante e diz muito do que somos, da forma como estamos na vida e percecionamos o que nos rodeia. Às vezes chega a haver tanto ódio no ar que custa a crer que venha da boca de seres que um dia nasceram humanos.
Não serei a pessoa certa para o constatar (o desporto radical que pratiquei durante anos é propício à criação de inimigos reais e virtuais), mas para lá do futebol ou até da política - atividades sensíveis aos olhos da opinião pública - insulto e ofensa são hoje uma constante em tudo o que é Twitter, Facebook, WhatsApp, Instagram e afins.
Porquê? O que é que se passa com esta gente? O que têm no coração? De onde vem tanta intolerância? O que levará um cidadão de bem (são-no quase todos, estou certo disso) a adulterar tudo o que o define, para momentaneamente direcionar a outra pessoa tanta ameaça e inveja? Que necessidade é essa de se saciar através da dor que tenta inflingir aos outros? De onde vem essa mágoa, essa neblina, esse baixo astral?
Claro que a falta de educação, a má formação de base ou a personalidade imatura/distorcida justificam algumas tiradas, mas este padrão de ofensa é generalizado, recorrente e crescente. Não parece ter fim à vista e, pior, não parece ter punição cabal. No mundo real, o ladrão que rouba a maçã pode ser preso, mas no virtual quem comete crimes a toda a hora, tem como punição likes, partilhas e comentários. Porquê? Que mundo é este que permite estas atrocidades, sem conseguir travar o dano que por vezes causam à imagem, bom nome e reputação dos outros?
Todos os que têm uma profissão mais exposta ou de alguma notoriedade pública são alvos desta gente doente, que pega em cada tirada, em cada comentário, em cada ideia para distorcer, esmagar, trucidar.
Repito: porquê? Porque queriam ter os cinco minutos de fama que eles têm? Porque queriam a vida que acham que eles levam? Porque as suas vidas são tão infelizes que só se estimulam quando crucificam a dos outros?
O chavão é antigo mas diz tudo: aquilo que os outros fazem dirá sempre mais deles do que dos alvos da sua ira, mas ainda assim... que desilusão. Podíamos ser tão grandes e sucumbimos sempre à tentação de sermos poucochinho.
A alma pequena impede-nos de conquistar coisas grandes e nós, em termos de bota-abaixo, não temos rivais à altura. É pena, mas é cada vez mais assim.