O poder do dinheiro

OPINIÃO08.01.202305:30

Não vão pagar 500M€ para Ronaldo marcar golos. Pagam-lhe a sua imagem e a forma como tirarão proveito da mesma

LONGE vão os tempos do futebol em estado puro. A dimensão que este fantástico desporto sempre teve foi originando diversas alterações ao longo do tempo. Hoje, o futebol deixou de ser um simples jogo para se transformar numa indústria, talvez das maiores do mundo. Se analisarmos os diferentes sectores de atividade, dificilmente encontraremos outro com a capacidade do futebol. A paixão que transmite e incute nos adeptos, a visibilidade, o alcance ou o mediatismo que proporciona, torna todo este mundo do futebol demasiado apelativo para marcas, investidores, indivíduos ou Estados que, de formas diferentes pretendem tirar proveito deste fenómeno.
 

RONALDO: PROFISSIONALISMO E PERSPICÁCIA

CR7 ficará marcado entre os melhores de sempre. O que tem vindo a alcançar na sua carreira é fantástico e único. O seu empenho, dedicação, força mental e espírito competitivo fizeram com que atingisse de forma consistente um patamar que está ao alcance de poucos. Será recordado pelos inúmeros golos que marcou e pelos títulos que alcançou ao longo da carreira. Ainda dentro dos relvados, teve um papel decisivo na forma como os jogadores/atletas olham hoje para a sua profissão. O profissionalismo e a atenção que sempre dedicou a cada detalhe, são um exemplo que é seguido pelos mais novos, fazendo com que a preparação ao longo da carreira de um atleta seja muito mais pormenorizada e com maiores probabilidades de sucesso. Mas o fenómeno CR7 não se fica pela brilhante carreira que tem nos relvados. Tratando-se de alguém que tem um ego gigante, que sempre teve muito cuidado e atenção ao detalhe, Ronaldo foi criando e alimentando uma marca que hoje em dia é universal.
 

RONALDO: TODOS TÊM UM PREÇO

Orecente contrato que assinou com o Al Nassr tem dois pontos de análise distintos. O primeiro, é a perceção que Ronaldo tem que o seu momento descendente chegou. O segundo ponto de análise é que CR7 quer continuar a deixar marca. Não o conseguindo fazer dentro dos relvados e ao mais alto nível, tira proveito de todo o bom trabalho (desportivo+imagem) que realizou nas duas últimas décadas, conseguindo mais um recorde, o de jogador ou desportista mais bem pago de sempre. Todos sabemos que o Al Nassr ou a Arábia Saudita não vão pagar 500M€ para Ronaldo marcar golos dentro do relvado. O que lhe estão a pagar é a sua imagem e a forma como tirarão proveito da mesma. Ronaldo tem toda a legitimidade para escolher o seu caminho e a quem se quer associar. Na sua apresentação, fez questão de realçar que pretende ter influência no crescimento do futebol na Arábia Saudita, através do seu mediatismo, know how e experiência. Também abordou com frequência a questão da desigualdade de géneros no país. Realçou a questão do desenvolvimento do futebol feminino e, de forma indireta, o papel das mulheres na sociedade, reforçando que chegou para vencer, jogar e ajudar no sucesso do clube e do país. Pelo seu protagonismo e pela sua dimensão, Ronaldo quis demonstrar que pretende ter um papel bem mais abrangente fora dos relvados. A sua apresentação teve, desde logo, um ponto diferenciador ao ser conduzida por uma mulher. Percebo a necessidade que CR7 tem de tocar neste ponto. Pretende justificar o seu apoio à Arábia Saudita com o desejo e vontade de ajudar o país a dar um passo em frente em termos culturais. Contudo, neste caso, não posso deixar de referir que quem tem a dimensão e influência que Ronaldo tem no mundo, não necessitaria de receber 500M€ para demonstrar sensibilidade e preocupação com a questão de géneros na cultura saudita. Não querendo julgar quem quer que seja, estas causas abraçam-se sem contrapartidas, pela dimensão e importância humana.


ENZO — QUAL O CAMINHO A SEGUIR?

ENZO FERNÁNDEZ chegou viu e venceu. Exibições com enorme qualidade, capacidade mental para suportar e adaptar-se a uma nova realidade (Europa) e características diferenciadores no futebol atual. A sua evolução no Benfica permitiu-lhe estar, numa primeira fase, presente no mundial e, numa segunda, ganhar a titularidade e ser aquilo que tem vindo a ser desde que chegou ao Benfica: determinante. A sua cotação disparou e os interessados não se fizeram esperar. Em seis meses tudo mudou na vida do jovem de 21 anos. A possibilidade de ir para um campeonato de maior dimensão e a proposta de um contrato que lhe garante, desde já, a sua autonomia financeira, mexem com qualquer ser humano.
Tendo a perceção de tudo o que estava a suceder, o Benfica teria de estar preparado para o que aí vinha. Neste caso, do lado encarnado, bastaria definir de uma forma transparente o que pretende. Na conferência de imprensa antes do jogo com o Portimonense, Roger Schmidt abordou este tema de uma forma perfeita. Assegurou que todos gostam de Enzo, querem que ele fique, até porque se trata de um jogador fundamental para a equipa. Explicou de forma inteligente como todas estas questões mexem com a cabeça de um jogador, deixando em aberto a possibilidade de Enzo ficar na Luz, com as pazes feitas.  O técnico encarnado tocou depois noutro ponto, que é o facto do Benfica não querer vender o jogador. Deixou claro que quem o quiser contratar tem de bater o valor da cláusula de rescisão (120M€). Por último, abordou a falta de ética que existe no futebol, onde as equipas chegam primeiro a acordo com os atletas e depois é que procuram os clubes (no caso de Ricardo Horta não foi similar?).
 

BENFICA — DEFINIÇÃO DA ESTRATÉGIA

SERÁ também importante ter uma visão e um plano para a concretização deste negócio. Se o Chelsea ou qualquer outro clube bater o valor da cláusula, o Benfica não o pode recusar, por vários motivos. Porque é um valor que tem sempre de ser considerado e porque as condições acordadas com o jogador foram essas. O que o clube deve determinar é qual o caminho a seguir e, neste caso, será importante para o Benfica perceber que não deverá procurar um substituto direto para o Enzo, até porque não o vai encontrar. Deverá sim, dar mais opções ao treinador, completando o plantel em posições carenciadas e ter a perceção de que, sem Enzo, a forma de jogar ou a dinâmica coletiva terá de ser alterada. Esta é a vida dos clubes portugueses, com constantes alterações ano após ano.
De uma forma simples, o poder de compra e a capacidade financeira conseguem condicionar os emblemas que não têm as mesmas condições. Todos sabemos que em Portugal os clubes são vendedores e exportadores; contudo, se existir organização, rigor, visão e um caminho bem definido, os compradores perceberão que não irão ter facilidades.

A VALORIZAR

Ricardo Horta — Marcou 4 golos em 2 jogos, após um golo no mundial ao serviço de Portugal. A sua cotação está em alta numa altura em que o mercado de Inverno abriu…

Marco Silva — O Fulham está a fazer uma época fantástica. Em 18 jogos já fez o mesmo número de pontos e marcou mais golos que na última época que esteve na Premier League. Destaque também para Palhinha que tem sido um pilar no onze de Marco Silva.
 

A DESVALORIZAR

Estoril — Nos últimos 10 jogos não conhece o sabor da vitória, somando 7 derrotas e 3 empates.