O Mundial feminino

OPINIÃO21.07.202306:35

Lembrar Alfredina, e o que tanto tiveram as meninas de andar para aqui chegar...

A seleção portuguesa feminina de futebol estreia-se este domingo num Campeonato do Mundo. Sublinhe-se: não se estreia apenas na competição que já decorre nos antípodas da Austrália e Nova Zelândia; é a primeira vez que a seleção nacional feminina vai competir no mais importante torneio da categoria.

Faz-me lembrar, com todas as respeitáveis diferenças, a primeira vez que a seleção nacional masculina de râguebi foi ao respetivo Campeonato do Mundo, em 2007, e, tal como então, parece-me que devemos esperar, e estimular, que o País transforme a participação de Portugal neste Mundial feminino na mesma festa, e com o mesmo entusiasmo, que soube promover quando os Lobos (como é conhecida a equipa portuguesa de râguebi) fizeram daquele Mundial, em França, um grande acontecimento desportivo e um marco verdadeiramente nacional.

Já era jornalista quando uma jovem do Boavista (o primeiro dos nossos clubes a apostar forte no futebol feminino), a inesquecível Alfredina, se tornou, provavelmente, a maior estrela de uma geração pioneira em Portugal do futebol jogado por mulheres, num tempo, já lá vão mais de 40 anos, em que a sociedade portuguesa não estava ainda suficientemente desenvolvida para aceitar, seguir e entusiasmar-se com o jogo jogado por mulheres.

Alfredina (que trabalha hoje, como treinadora, no clube do Bessa) e restantes companheiras de uma luta então ainda demasiadamente solitária, integraram a primeira seleção nacional em 1981. E agora que Portugal prepara a estreia num Campeonato do Mundo (céus, o que elas tiveram de andar para aqui chegar!!!) é justo que recordemos e prestemos homenagem, na figura de Alfredina (desculpem-me, mas é a que recordo melhor), a todas as meninas/mulheres que não desistiram de marcar o caminho, traçar o objetivo, educar, no fundo, o País, com notáveis contributos, é bom igualmente lembrá-lo, de figuras do futebol como António Simões ou José Augusto (sim, os Magriços), antes de uma persistente e muito determinada mulher como Mónica Jorge (hoje diretora da federação) assumir, já neste século, os destinos da equipa feminina das quinas e dar-lhe, em definitivo, o que ela, na realidade, me parece que precisava: emancipação autêntica, identidade absoluta, personalidade indiscutível.

NÃO são, evidentemente, de uma só equipa técnica e muito menos de uma só entidade os méritos da evolução em Portugal do futebol jogado por mulheres, mas não podemos, também, deixar de reconhecer o trabalho de algumas pessoas em particular, e Mónica Jorge não deve deixar de merecer um elogio muito especial no momento que que vemos a Seleção chegar pela primeira vez à fase final de um Campeonato do Mundo, depois de já ter estado, recorde-se, em duas fases finais do Campeonato da Europa, em 2017 e 2021, absolutamente essenciais para o crescimento da equipa nacional.

Como qualquer outra seleção, também a equipa feminina portuguesa foi, compreensivelmente, beneficiando das experiências de muitas jogadores em clubes estrangeiros (prova de que o talento para o futebol nos é intrínseco, nos rapazes como nas raparigas…) e da aposta feita, entretanto, por clubes como Benfica, Sporting ou SC Braga (para referir apenas os exemplos de maior dimensão, sem esquecer, porém, o que, por esse rio acima, foram fazendo clubes de rosto bem mais modesto, mas de alma igualmente gigante como o União 1.º de Dezembro (tantas vezes campeão), Vilaverdense, Futebol Benfica, entre muitos outros...

F OI ainda com Mónica Jorge como selecionadora nacional (tornou-se, em 2012, a primeira mulher a integrar a equipa dirigente da federação) que A BOLA TV desafiou as jogadoras da seleção a mostrar, num documentário de 2011 que creio ter feito alguma história, não sentirem qualquer problema em jogar futebol sendo mulheres tão femininas como quaisquer outras e não deixarem de ser mulheres bonitas só porque jogavam futebol.

Lembro-me que, das atuais jogadoras da seleção que domingo se estreia no Mundial, Patrícia Morais, Carole Costa, Sílvia Rebelo, Ana Borges e Carolina Mendes foram algumas das protagonistas daquele documentário, já com mais de dez anos, que desafiou a divertirem-se e transformou, por um dia, as nossas jogadoras da Seleção Nacional, à época, em modelos da estilista Fátima Lopes.

Se nunca viu o documentário de que falo, recomendo que não o perca, já este sábado, 22 julho (véspera da estreia das meninas portuguesas, na Nova Zelândia, frente à seleção holandesa), porque A BOLA TV volta a emiti-lo, pelas 16h10 e, depois, pela meia-noite. Garanto-lhe, caro leitor, que é imperdível!

N OS últimos dez anos, na realidade, o futebol no feminino levou impressionante impulso, ao ponto de ter crescido bem mais do dobro o número de jogadoras federadas. De acordo com um relatório da federação, em 2011 eram cerca de 5390 as futebolistas federadas, entre futebol e futsal. Mas hoje são quase 14 mil, e o maior aumento deu-se nas categorias de sub-13 e sub-15, o que diz muito de um País que, felizmente, passou a ter um outro olhar para o jogo de futebol jogado por mulheres, e por isso já estabeleceu, no espaço e meses, dois recordes muito assinaláveis de assistências num jogo, primeiro, recorde absoluto no nosso país, num jogo da Liga, um Benfica-Sporting, no Estádio da Luz, em março, com 27.221 espectadores, e, agora, já em julho, no Portugal-Ucrânia, no Estádio do Bessa, com 20.123 espectadores, novo recorde em jogos da seleção.

O impacto de tudo isto vê-se, também, naturalmente, na ascensão da Seleção principal feminina no ranking FIFA, tendo atingido recentemente a melhor classificação de sempre, o 21.º lugar, na hierarquia mundial (sendo, já, a 14.º entre as seleções europeias mais cotadas, quando há menos de dez anos era a 25.ª). É notável!

Não devem, porém, os portugueses julgar que a chegada ao Mundial é o final de uma bonita história, como sucedeu com a seleção masculina de râguebi. Bem pelo contrário. É apenas o começo de um novo ciclo, porque a presença num Campeonato do Mundo jamais deixará igual o caminho do futebol jogado pelas meninas/mulheres em Portugal, mesmo tendo em conta o nível das equipas adversárias e o provável insucesso das portuguesas.

Nesse caso, sim, como aconteceu com Portugal no Mundial de râguebi em 2007 - onde teve de defrontar alguns dos melhores do mundo, como Nova Zelândia, Escócia, Itália… -, também agora as portuguesas defrontarão, neste Mundial de futebol, na estreia, apenas, a seleção dos Países Baixos (campeã da Europa em 2017 e vice-campeã do mundo em 2019) e terão pela frente a dos Estados Unidos, considerada atualmente a maior das potências, campeã do mundo em título (2019) a que junta os títulos conquistados em 1991, 1999 e 2015.

A O contrário, porém, do que percurso vivido até agora, infelizmente, pela principal seleção masculina de râguebi, que não voltou a qualificar-se para um campeonato do Mundo, creio que à seleção feminina de futebol (bem como às equipas femininas de clube), não faltam, como se tem visto, legítimas aspirações, e muitas razões, para acreditar noutras manhãs de sol, pelo talento, que vai sendo cada vez mais, mas também pelas estruturas e organizações criadas nesses clubes e numa federação, é inegável, que há muito está verdadeiramente empenhada na sustentada promoção do futebol feminino em Portugal - e vê-se bem o resultado, por exemplo, na notável existência já de seis seleções, das sub-15 às sub-23, abaixo da equipa principal.

A equipa nacional, comandada pelo justamente reconhecido Francisco Neto (que em 2014 substituiu António Violante no lugar de selecionador), fez o seu trabalho e está, por isso, no primeiro Campeonato do Mundo, jogado a quase 20 mil quilómetros de casa.

O trabalho do País é outro. No mínimo, o trabalho do País é acreditar, e acreditar com genuína convicção, sem a qual continuará apenas a proteger a hipócrita, e absurda, desigualdade, que com mais, e mais forte, desporto no feminino o País será sempre um país melhor!