O momento

OPINIÃO01.09.202306:35

Das três equipas portuguesas na Champions, apenas uma delas já ganhou

VALE sempre o que vale qualquer sorteio de uma competição desportiva para ditar duelos, jogos, combates, seja o que for. No futebol, quando chega a hora de uma qualquer grande competição, como é o caso, muito particular, aliás, da Liga dos Campeões, por ser a mais impactante, mediática,apaixonante, arrebatadora, empolgante e sedutora competição de clubes do planeta, nunca o coração deixará de palpitar no momento de os adeptos conhecerem os adversários das suas equipas.

No fim, a questão é sempre a mesma: foi um sorteio bom, mau ou assim-assim?

Para as três equipas portuguesas (sensacional a qualificação, nunca é demais sublinhá-lo, de um SC Braga cada vez mais competitivo), o que me parece claro que resulta, já, da leitura do sorteio é que apenas uma delas já ganhou: precisamente o SC Braga, por ter concretizado o primeiro grande objetivo da época, o de estar, como está, na fase de grupos desta grande competição do futebol.

Além disso, também apenas o SC Braga tem mais a ganhar do que a perder no grupo em que ficou integrado, o C, com Nápoles, Real Madrid e Union Berlim, pela ordem dos potes em que as equipas foram colocadas.

Quer o Benfica, quer o FC Porto, exatamente por, à partida, se debaterem com um único adversário dos designados mais poderosos (Inter de Milão no aminho das águias, Barcelona no caminho dos dragões), terão sempre mais a perder do que a ganhar.

Ao contrário de SC Braga, terão Benfica e FC Porto o objetivo de conquistar, no mínimo, a qualificação para os oitavos de final, no caso dos encarnados, perante Salzburg e Real Sociedad, no caso dos portistas diante de Shakhtar e Antuérpia. Se o conseguirem, não será excecional; mas se falharem, serão a desilusão. E isso faz muita diferença.

O SC Braga viverá, sim, a sensacional ilusão de competir com equipas fortíssimas como as do campeão italiano, o Nápoles, ou do inigualável Real Madrid, com o objetivo teórico de, no fim, não ficar pelo caminho e poder, pelo menos, garantir um lugar na Liga Europa que lhe será atribuído se levar a melhor sobre o Union Berlim na luta (teórica, repito) pelo 3.º lugar no grupo.

Para as equipas mais fortes (e Benfica e FC Porto devem, naturalmente, ser incluídas no lote das equipas que competem para os oitavos de final), o drama dos sorteios tem sempre a ver com as expectativas que se geram. E, no caso português, serão evidentemente Benfica e FC Porto os que precisam de se defender dessa expectativa, e , sobretudo, da ideia de que o que valem hoje serve para prever o que sucederá amanhã. O que, como bem sabemos, nem sempre corresponde à verdade. O futebol é o momento.

Dir-se-á, nesse sentido, que Benfica e FC Porto estão a jogar agora, no momento, bem menos do que foram capazes de jogar, por exemplo, há poucos meses. É um facto. Mas as equipas mudam. E quando mudam precisam de tempo para consolidar processos. E para consolidar processos arriscam, por vezes, sentir dificuldades, jogar menos bem e testar duramente as capacidades de reação. É o processo, como lhe chamam os treinadores.


AINDA O ‘BEIJO FATAL’ 

NO meio de toda a polémica criada pelo ‘beijo fatal’ com que Luís Rubiales brindou a futebolista Jenni Hermoso, seria muitíssimo difícil, creio, vermos, por exemplo, o treinador da seleção feminina de Espanha, Jorge Vilda, subir, na tarde de ontem, ao palco do sorteio da Liga dos Campeões para ser distinguido pela UEFA, pelo que não surpreendeu a entrega do prémio de treinador(a) do ano de equipas femininas à holandesa Sarina Wiegman, que levou este ano a Inglaterra ao lugar de vice-campeã do mundo, derrotada pela sensacional seleção feminina de Espanha na final do recente torneio jogado na Austrália e Nova Zelândia.

Para Jorge Vilda, de 43 anos, o treinador campeão do mundo, ser distinguido como o melhor do ano tornou-se uma impossibilidade a partir do momento em que Vilda não apenas se viu, no último ano, envolvido, ele próprio, em conflitos com algumas jogadoras da seleção espanhola (que acusaram o treinador de tratamentos desiguais e de não desenvolver um bom trabalho na equipa), como ainda agravou a imagem ao estar manifestamente solidário com Luís Rubiales, entretanto forçado a ver-se substituído interinamente na presidência da federação, censurado por governo e outras instituições espanholas, e castigado até pela FIFA, após o tal ‘beijo fatal’ na menina Jenni Hermoso, de 33 anos, que todo o mundo pôde testemunhar no momento da cerimónia de entrega de medalhas às jogadores espanholas, campeãs do mundo.

Admito que deveria ter sido Jorge Vilda, e não Sarina Wiegman, o distinguido ontem, pela UEFA, como treinador do ano, porque o trabalho de Vilda, conduzindo a seleção de Espanha a um histórico primeiro título mundial, foi, na verdade, muito mais surpreendente do que o trabalho da senhora holandesa de 53 anos, apesar do extraordinário currículo de Sarina, já com dois títulos de campeã da Europa, com os Países Baixos em 2017, e com a Inglaterra no ano passado. Mas o prémio da UEFA é para o ‘treinador do ano’ e não para o ‘melhor currículo’, e, portanto, terá sido (foi certamente) muito mais ‘treinador do ano’ o espanhol Vilda do que ‘treinadora do ano’ a holandesa Sarina.

O problema estaria sempre, porém, no desconforto, para a UEFA, de distinguir uma figura associada a um polémico e explosivo caso ainda tão fresco no sempre sensível e delicado universo, no caso especial do desporto no feminino, e do futebol em particular, das relações entre homens e mulheres, dirigentes e atletas, comandantes e comandadas.

Jorge Vilda (filho de Angel Vilda, lembra-se?, caro leitor, que trabalhou no Benfica integrado na equipa técnica do alemão Jupp Heynckes entre 1999 e 2000) pagou, assim, também algum do custo pelo ‘beijo fatal’ de Rubiales a Jenni Hermoso. Sem beijo, muito provavelmente teria sido Vilda, e não Sarina, a receber o prémio da UEFA para ‘treinador do ano’ de equipas femininas de futebol.

Foram já vários os beijos na boca tornados famosos no mundo do futebol, do beijo entre Maradona e Caniggia, na década de 90, quando ambos jogavam no Boca Juniors, ao beijo ‘roubado’ em 2010 por Iker Casillas à noiva Sara Carbonero, em direto pela televisão, quando ele, acabado de se tornar campeão do mundo, era entrevistado por ela, como repórter televisiva.

Mais coisa, menos coisa, todos eles beijos de algum modo controversos, mais facilmente aceites, porém, pela emotividade romântica do futebol.

Ao beijar Jenni Hermoso, é igualmente possível que Rubiales tenha sido levado por impulso semelhante aos dos companheiros de equipa Maradona e Caniggia ou de Casillas à namorada, naturalmente sem pensar que não estava apenas a beijar a namorada, mas uma repórter no exigente e responsável exercício da profissão de jornalista. Mas adiante.

Nenhum outro beijo teve até hoje, porém, o lamentável, chocante e explosivo impacto como o ‘beijo fatal’ de um dirigente de topo do futebol espanhol a uma das mais experientes jogadoras da seleção feminina de Espanha. Com total clareza, não se sabe ainda se se tratou de um ‘beijo na mulher aranha’, na medida em que Jenni Hermoso aceitou até (é um facto, visível por imagens disponíveis nas redes sociais) sorrir e brincar com o beijo de Rubiales nos momentos de celebração que se seguiram, ainda nos balneários do estádio, à conquista do título mundial, e só depois, quando o céu começou a desabar sobre a cabeça do líder da federação, ocupou, por fim, o lugar que se esperava de quem, legitimamente, se sentiria agredida, indignada e ofendida com o beijo (e tudo o que ele envolvia…) que Luís Rubiales, como líder de uma federação, nunca poderia, em qualquer cerimónia oficial, pública e profundamente notória, ter dado, como deu, numa futebolista.

Pagará, por isso, Luís Rubiales, como se previa desde o início, mas já pagou, entretanto, Jorge Vilda, olimpicamente ignorado na atribuição do prémio de ‘treinador do ano’, entregue ontem pelo presidente da UEFA, o esloveno Aleksander Ceferin, a essa extraordinária treinadora que é, evidentemente, a holandesa Sarina Wiegman, capaz, no seu discurso de agradecimento, de ter, como teve, a dignidade, inteligência emocional e extrema elegância de o dedicar às jogadoras da seleção de Espanha e de lamentar que elas não estejam a desfrutar, como mereciam, do protagonismo de serem as campeãs do mundo por causa de um ‘maldito beijo’ inacreditável, irresponsável e disparatadamente dado (tudo leva a crer que sem consentimento) por Rubiales a Hermoso.

Pode, agora, equacionar-se tudo o que já foi dito e feito, todos os comportamentos e discursos tidos de lá para cá pelos diferentes atores de todo este filme, mas só um facto continua a parecer-me, na verdade, inquestionável: sob nenhum pretexto Rubiales poderia ter feito o que fez.

E é bem possível, aliás, que se tenha autocondenado definitivamente no plano do futebol europeu e mundial por não ter tomado a iniciativa de se demitir.