O mérito!

OPINIÃO05.07.201904:00

SÓ quem não compreende o impacto que Jorge Jesus costuma ter nos meios onde trabalha é que pode estranhar o impacto que Jorge Jesus está a ter no Flamengo e a impressionante reação que vem provocando, sobretudo nos últimos dias, a presença do treinador português no mais popular clube do Brasil e num dos mais populares em todo o mundo.
Jesus já está muito longe de criar impacto apenas nos jogadores e nas equipas que treina. Vai muito para lá disso. Basta ver o que se diz nas redes sociais, o que já se escreve nos media do Rio de Janeiro, e a influência que está, naturalmente, a ter no universo do Flamengo, diga ele respeito a adeptos, administração, restantes responsáveis ou jogadores.
Pela competência, pela intensidade com que está no futebol, seja no treino, no jogo, na relação com jogadores, adeptos ou jornalistas, pelos sucessos mas também por alguns insucessos, pelo tipo de personalidade que tem, pela permanente afirmação e pelo discurso assertivo, às vezes singular, às vezes popular, tantas vezes controverso e nem sempre consensual, Jesus construiu uma imagem a que ninguém fica indiferente e cria sempre um impacto a que é difícil resistir e impossível de ignorar.
Jesus é uma força difícil de explicar em meia dúzia de linhas. Ou talvez não. Porque é simples e autêntico. Porque chega facilmente aos outros. Porque se calhar tudo isto tem a ver com paixão.
Jesus vive e respira futebol. Como disse René Simões, treinador brasileiro já aposentado dos relvados, que chegou, em Portugal, a treinar o V. Guimarães, «Jesus nunca para; inova, cria, aplica-se a fundo; quando joga fora de casa, não espera para chegar a casa e ver o jogo; vê o jogo logo no autocarro ou no avião. Estuda tudo ao pormenor.»
É, porventura, uma questão de intensidade. E volto à paixão.
Jesus só sabe viver o futebol assim, e com a mesma paixão com que estuda, analisa e prepara as estratégias para tentar ganhar os jogos, procura todos os dias fazer dos jogadores melhores jogadores, e que esses melhores jogadores possam também ajudar a melhorar outros jogadores e que todos juntos melhorem a equipa e possa a equipa ganhar uma nova dimensão competitiva.
Não se trata agora de saber se Jesus vai ganhar mais do que perder. Trata-se de destacar o impacto que tem em tudo o que toca. Porque ele é assim, intenso.
Dizem que há jogadores que se cansam de trabalhar com ele. Não sei, mas admito que haja.
O que sei é o que ouço da larga maioria dos jogadores que com ele trabalharam, mais recentemente, ou mais antigamente. «Foi o melhor treinador que tive; ele fez-me ser melhor do que alguma vez pensei que poderia ser», diz Luisão, um símbolo do Benfica, que trabalhou com Jesus durante seis anos e, pelos vistos, nunca se cansou dele.
Podia destacar mais uma dezena de craques que elogiam Jesus como um treinador de topo, dos melhores do mundo, como aquele rapaz argentino que dá pelo nome de Pablo Aimar, que muito tempo depois de ter deixado o Benfica e o nosso País, ainda contava aos compatriotas, na televisão de Buenos Aires, ter conhecido em Portugal alguém que «sabe muito de futebol» e que «muito me marcou», referindo-se, obviamente, a Jorge Jesus.
Jesus parece realmente o tipo de pessoa que nunca está em lado algum por estar. Com ele, ou é ou não é. Se estiver por estar nota-se logo, porque Jorge Jesus não disfarça. É um daqueles tipos que ou se admira ou apenas se tolera. Gosta-se ou não se gosta. Com ele, não há meio termo. Nem ele, porventura, gostaria que houvesse.
Jesus é muito pão, pão, queijo, queijo. É duro, é exigente, chega até a ser implacável, porque tem uma paixão pelo futebol que lhe domina a vontade e lhe foca e condiciona o comportamento. Pode até, nalguns casos, revelar-se casmurro, mas essa casmurrice vem de alguém que transpira confiança e fé no seu próprio trabalho. Jesus está sempre inteiro onde está. Nunca se deixa estar pela metade.
Jesus não tem, evidentemente, só qualidades, mas até nas imperfeições marca, muitas vezes, pontos, mais ou menos negativos consoante os olhos de quem vê e de que cor é o adversário.  
O desafio de Jesus é, agora, monstruoso, talvez mais do que nunca, apesar de se poder, de algum modo, comparar com a circunstância em que também chegou ao Benfica, em 2009, porque o Benfica - como agora o Flamengo - também era um gigante meio adormecido.
Coincidência ou não - e não foi apenas mera coincidência, está bom de ver - foi com Jesus que o Benfica acordou para um novo ciclo de sucesso, não apenas no jogo (onde ganhou, sim, mas também perdeu) mas, sobretudo, na forma de competir - recuperando o que muitas vezes se ignora mas é tão importante, que é a forma como se luta pelos títulos - e no modo de se dimensionar como marca e como clube.
É um pouco o que parece que o Flamengo também pode ganhar com Jesus, o poder redimensionar-se na capacidade de competir e na imagem, no poder da marca e no impacto produzido num dos mais apaixonantes universos de futebol do mundo.
Se souber aproveitá-lo, o Flamengo terá certamente muito mais a ganhar do que jogos ou, eventualmente, até títulos! Se apenas pensar dentro do campo, então terá vistas muito curtas. E nem conseguirá ver Jesus!

VI o Brasil-Argentina da meia-final da Copa América e vi um grande jogo, muitíssimo interessante, talvez com a melhor Argentina dos últimos anos, e com um Brasil não apenas virtuoso, mas muito lutador, muito combativo, que soube dominar e ser dominado, que também soube sofrer e que foi mais talentoso na hora de aproveitar as oportunidades de golo.
O potencial deste Brasil é impressionante. Repare o leitor na equipa que bateu a Argentina: guarda-redes do Liverpool, lateral-direito e centrais do PSG, lateral-esquerdo da Juventus, médio mais defensivo do Real Madrid, os dois médios mais ofensivos do Barcelona, um dos atacantes do Manchester City, o outro do Liverpool, e, por fim, lá estava um jogador do Grémio de Porto Alegre, na ala esquerda, mas que acabou por dar lugar, para a segunda parte, a um dos alas do Chelsea.
Mais duas notas dominantes: a fantástica exibição do veterano Daniel Alves, que, aos 36 anos, eu julgava acabado, e o melhor Gabriel Jesus, pelo menos, do último ano, que mostra, aos 22 anos, ter realmente muito para dar ao futebol, e, no caso, à Premier League e ao portentoso Manchester City de Guardiola.
Volto a Dani Alves - que, repito, julgava estar no fim da linha - para elevar ainda a forma como ele, sendo o capitão de equipa, conduziu a equipa e contagiou emocionalmente os companheiros, levando-os a dar provavelmente o que tinham e o que não tinham, com impressionante alma e muito compromisso. Tivesse Neymar (ele que é muito próximo de Dani Alves, como se sabe) metade da disciplina mental e do compromisso que Dani Alves tem, e teve, com o futebol profissional - e por isso fez a carreira brilhante que fez - e poderia, verdadeiramente, aspirar a ser o sucessor de Cristiano Ronaldo e Messi como melhor do mundo.
Apenas por simples curiosidade, vale a pena recordar que Dani Alves marcou um golo na final da Copa América de 2007 (a última ganha pelo Brasil, precisamente à Argentina, por 3-0) e, 12 anos depois, foi agora, na minha opinião, o melhor em campo nesta meia-final, a par do jovem Gabriel Jesus.
Quanto à melhor Argentina dos últimos anos que surgiu no Mineirão, em Belo Horizonte, mostrou-se mais equipa, mais compacta, mais coesa, mas continua, porém, a deixar quase todo o talento nos pés e na cabeça de Messi, o único (quando ainda por cima não há, como não houve a maior parte do tempo, Di María ou Dybala) a fazer a diferença. Quando Messi é tão amarrado e condicionado como voltou a ser (grande Casemiro!), fica difícil à Argentina ir mais longe nos resultados.
Pior de tudo nesta meia-final: o relvado. Como pode uma competição destas jogar-se em relvados neste estado?

PS - Finalmente anunciado como jogador do Atl. Madrid (num notável vídeo gravado no impressionante Museu do Prado, em Madrid), João Félix vai então render 120 milhões de euros ao Benfica (108, pagas as comissões). Confesso que me custou acreditar nessa possibilidade; mas tenho forçosamente de reconhecer que não basta falar do talento de Félix e no talento do seu agente, Jorge Mendes; é forçoso reconhecer os grandes méritos do Benfica, do presidente do Benfica, do treinador do Benfica e da formação do Benfica.
Chapeau!!!