O legado do tempo útil de jogo

OPINIÃO11.12.202205:30

No Mundial do Catar têm impressionado os tempos de compensação dados pelo árbitro

U M Campeonato do Mundo será sempre uma prova de grandes jogadores, treinadores e equipas, mas também de regras e inovações tecnológicas que acabam por deixar legados, como a regra do Golo de Ouro implementada em 1998 e 2002 (posteriormente abolida em 2006) ou o desempate por grandes penalidades, apenas utilizado em Mundiais em 1982, apesar de ser permitido desde os anos 70.
O Mundial-2022, no Catar, tem sido o mais tecnológico de que há memória, como, por exemplo, a introdução do fora de jogo semiautomático. Têm, também, impressionado os tempos de compensação dados pelo árbitro. Por exemplo, os primeiros quatro jogos do Mundial, juntos, contaram com 64 minutos de compensação.
Existe uma clara estratégia, por parte da FIFA, em aumentar os minutos de desconto para maximizar o tempo útil de jogo e diminuir, ao máximo, as perdas de tempo. Este aumento seria sempre inevitável, pois estamos no primeiro Mundial com cinco substituições permitidas, além das paragens provocadas pelo VAR. Mas passou a ser comum vermos o quarto árbitro levantar a placa com oito ou até dez minutos de tempo adicional mínimo. E a mensagem é clara, e vem do organismo máximo do futebol mundial: é preciso aumentar o tempo útil de jogo. E essa mensagem chega a vários destinatários e não apenas a quem esteja dentro do relvado. E esse será o legado do Catar-2022, da mesma forma que se percebeu, no Itália-90, que chegara a altura de o guarda-redes deixar de agarrar a bola se esta fosse atrasada por um colega com o pé por permitir antijogo. Poucas decisões tiveram tanto impacto no jogo como a abolição dessa regra.
Temos vindo a assinalar, neste espaço, a importância de aumentar o tempo útil de jogo e a diferença estruturante que essa medida pode assumir. Hoje o futebol, apesar de continuar a ser o desporto-rei, é uma indústria de entretenimento, como muitas outras, e coexiste com outras ofertas no mercado, seja no gaming ou nas plataformas de streaming, com milhares de horas de conteúdos à distância de um clique. Onde o futebol se distingue está no direto, em ver o espetáculo, seja no estádio ou diante de um ecrã, em tempo real. E é aqui que a luta do tempo útil de jogo assume maior importância. Ninguém, por muito que adore futebol, vai continuar a consumir um espetáculo… sem espetáculo, com constantes perdas de tempo. O público muda de canal, o patrocinador perde o investimento e assiste-se a um efeito dominó.
No Thinking Football Summit, o jogador Andreas Samaris, o treinador Ivo Vieira e o ex-árbitro Pedro Henriques refletiram sobre o tema e os contributos foram valiosos. Um problema cultural, que levará tempo a corrigir, mas com bons pontos de partida, a começar na forma como os jogadores podem auxiliar o árbitro a assinalar menos faltas e a tornar o jogo fluido.
Esta época a Liga Portugal colocou como um dos eixos de intervenção o aumento do tempo útil de jogo, com o lema #NãoPara. Os números são promissores e mostram compromisso de todos. Terminámos as 13 primeiras jornadas da Liga Portugal Bwin (antes da paragem para o Mundial) com 55,6% de média de tempo útil de jogo, dentro da média dos big-5, na época passada. A manter esta média, terminaremos 2022/2023 com média de tempo útil de jogo superior às das últimas temporadas. E esse será um dos legados desta geração, o de deixar o jogo melhor do que encontraram.


*Diretor Executivo da Liga Portugal