O incomparável

O incomparável

OPINIÃO07.07.202306:30

«[Navarro] Quem é? Onde joga? Em que lugar?», perguntou o presidente do FCP

A primeira vez que se falou do interesse do FC Porto no espanhol Fran Navarro foi em janeiro deste ano e a equipa portista alimentava ainda a legítima esperança de poder dar a volta ao campeonato e superar o Benfica. Por ironia, viria a ser precisamente a derrota diante do Gil Vicente de Fran Navarro, no final de fevereiro, em pleno Estádio do Dragão, a dar forte soco no estômago dos portistas, que ficaram, nessa altura, a oito pontos do líder.

Quando surgiram aqueles primeiros rumores, em janeiro, a darem o FC Porto como destino certo do avançado espanhol, o jogo com o Gil Vicente ainda vinha a um mês, sensivelmente, de distância. Poucos dias após as primeiras notícias (estávamos no princípio de fevereiro), o presidente do FC Porto foi instado a pronunciar-se sobre o tema. E respondeu assim: «[Fran Navarro] Quem é? Onde joga? Em que lugar? Pontas de lança temos nós muitos!»…

Obviamente, sabia muito bem o presidente portista quem é Fran Navarro. E obviamente, o FC Porto sinalizou logo em janeiro o jogador (usando, mais uma vez, a sua evidente influência nestas circunstâncias…), impedindo-o de reforçar algum dos rivais (consta, na verdade, sem confirmação oficial, que Benfica, Sporting e SC Braga poderão ter mostrado interesse no avançado espanhol) e projetando o negócio para um momento do ano (já este mês de julho) que lhe fosse financeiramente mais conveniente.

Admitindo, porém, que o presidente portista não conheceria em profundidade, naquele momento, o perfil de Fran Navarro, pois logo ganhou mais e melhor informação quando, já perto do final de fevereiro, o ponta de lança espanhol fez o primeiro dos dois golos com que o Gil Vicente chocou o Estádio do Dragão, que valeram aos gilistas uma vitória absolutamente surpreendente e, ao mesmo tempo, aterradora para os portistas, que só nesse jogo perderam três pontos (ficando, então, a oito do Benfica) e ainda dois jogadores (João Mário e Uribe, expulsos com vermelho direto).

Mas não vale a pena iludir a questão: o presidente portista sabia, naturalmente, muito bem quem era Fran Navarro, sabia que o espanhol seria jogador do FC Porto este verão, e sabia que, sendo, já então, muitos os pontas de lança no Dragão (Taremi, Evanilson, Toní Martínez, Namaso, Fernando Andrade…), muitos continuariam a sê-los até que, porventura, mais algum venha a sair (Toní Martínez será o mais provável), já depois de Fernando Andrade, em final de contrato, ter, entretanto, seguido para o Casa Pia.

J Á deu para percebermos todos, creio, como Fran Navarro é, realmente, um futebolista de muita qualidade, um ponta de lança muito estruturado e inteligente na forma como se movimenta e como finaliza, talvez exceto o jogo de cabeça, talvez o ponto mais fraco do jogador de 25 anos, formado no Valência.

Das últimas experiências feitas pelo recrutamento do FC Porto no chamado mercado nacional, salta imediatamente à vista o fracasso inicial da aposta na tão cara contratação do central David Carmo, um jogador cheio de qualidades com inegável problema de adaptação à realidade de um patamar mais elevado como continua a ser, evidentemente, o FC Porto por comparação com o SC Braga.

Sem se poder falar em insucesso, apenas Fábio Cardoso, que veio do Santa Clara, e Eustaquio, que veio do Paços de Ferreira, se tornaram, na verdade, solução, e não problema, para o treinador do FC Porto.

Mas é, também, inquestionável que o objetivo de olhar, preferencialmente, para dentro do País resultará, no FC Porto, da imperiosa necessidade de gastar menos, contratando mais barato e com muito menor esforço quanto às respetivas operações financeiras.
 

 

A S dramáticas contas da SAD do clube, comentadas interna e externamente por quem detém informação incomparavelmente mais privilegiada, vêm arrastando o FC Porto para um cenário preocupante, como foi, em devido tempo, alertado por um dos próprios administradores, Fernando Gomes, quando, nos primeiros dias de junho, foi claro como água na mensagem pública que assumiu («(...) é iniludível; não vale a pena esconder que precisamos de vender jogadores até 30 de junho»), ou denunciado mesmo por gente com responsabilidade de comunicar para o universo portista, como é o caso de André Villas-Boas, venha ele, ou não, a ser futuro, ou ex-futuro, candidato à presidência do clube e, consequentemente, da SAD, pelo menos até ver se a eventual entrada de capital estrangeiro mudará (e como) o paradigma estrutural do modelo que se conhece nas SAD’s  dos maiores clubes portugueses.

P ELA perspetiva de nova derrapagem nos resultados das contas do primeiro semestre deste ano, fechadas a 30 de junho, com números negativos a poderem atingir algumas dezenas de milhões de euros (30/40 milhões?), e daí o alerta de Fernando Gomes (um administrador da SAD com a experiência de ex-ministro, presidente de câmara e administrador de uma empresa gigantesca como a Galp), que sabia, naturalmente, o que estava a dizer (apesar de poder considerar-se erro estratégico tornar publica a necessidade de vender jogadores), pode perceber-se a ameaça de voltar a ver-se o encostado o FC Porto à parede dos ajustamentos financeiros exigidos pela UEFA. 

A previsão, na SAD, de aumento significativo (e assustador) dos capitais próprios negativos (que poderão ultrapassar os 200 milhões de euros), a necessidade de pagar compromissos até final do ano num valor alegadamente superior a 50 milhões de euros e a importância de não reincidir num qualquer descumprimento do designado Acordo de Transação com a UEFA, são tudo pontos de um cenário inegavelmente preocupante, repito, como ficou amplamente reconhecido, volto a sublinhar, pelas declarações do administrador portista, Fernando Gomes, mas também nos testemunhos, aqui e ali, de figuras públicas do universo do clube.

Valha o que valer, e não é fácil descodificá-lo, nem à luz de regulamentos e muito menos pela ausência de informação mais rigorosa, a verdade é que foi a própria UEFA, em setembro de 2022, a comunicar oficialmente, a seguinte informação do Comité de Controlo Financeiro dos Clubes (CFCB ou Club Financial Control Body, na designação inglesa): «A Primeira Câmara do CFCB entendeu que o FC Porto, após a reabertura do processo, descumpriu ligeiramente o objetivo principal do seu Acordo de Transação e, em consequência, decidiu aplicar uma multa de €100.000 e excluir o clube da próxima competição de clubes da UEFA para a qual se qualificaria nas próximas três temporadas, a menos que o resultado agregado do clube para os anos financeiros de 2019, 2020, 2021 e 2022 esteja em conformidade com o requisito de equilíbrio.»

N ÃO é nada fácil, devo reconhecê-lo, compreender em toda a extensão a mensagem da UEFA, divulgada por via oficial, recordo, sensivelmente há dez meses; mas parece-me iniludível, como diria o administrador portista, considerar ‘muito negra’ a realidade financeira do FC Porto.

E num quadro de responsabilidades, méritos e capacidades, julgo que, no Dragão, apenas se salvam treinadores e jogadores. Nos últimos seis anos, creio não restarem dúvidas de que a eles, na verdade, se deve tudo, ou quase tudo, do que o clube azul e branco foi conseguindo. E foi muito, e, porventura, com mais valor ainda, se pensarmos bem no contexto. Neste tão difícil, e complexo, contexto!

O benfiquismo viveu, indiscutivelmente, ontem, um dos mais significativos momentos dos últimos tempos - excluindo, evidentemente, as manifestações, em maio, pela obtenção do 38.º título de campeão nacional - com a apresentação desse craque que dá pelo nome de Angel Di María, que não há muito tempo considerei, depois do inigualável Messi, a maior figura da história mais recente do futebol argentino, como se pode confirmar, por exemplo, pela profunda e indelével marca deixada pelo jogador nos mais históricos sucessos do futebol do país nos últimos 15 anos - campeão olímpico, campeão sul-americano e campeão do mundo.

Diz Di María que escolheu voltar ao Benfica «com o coração». Mas, neste caso, parece evidente que o coração de Di María (e, já agora, o de Rui Costa) só pôde ver-se satisfeito pela robustez empresarial e financeira de um clube que soube potenciar a marca que tem, que inaugurou há 17 anos uma fantástica academia de formação, que tem (fica, apenas, o exemplo) um estádio praticamente amortizado e preservou uma SAD que era, até há relativamente pouco tempo, a única, dos chamados três grandes, com capitais próprios positivos - cenário que o Sporting conseguiu recuperar este ano.

Pelo que se sabe da realidade económica-financeira do FC Porto, a conclusão será, pois, simples: nesse jogo, na verdade, não vale a pena comparar o incomparável!