O filho do Vítor
Vítor Manuel com Amaral, no Belenenses, em 1996. Foto A BOLA

O filho do Vítor

OPINIÃO08.08.202409:30

«A experiência é a quantidade de problemas que evitaríamos se lêssemos primeiro o manual de instruções». Vítor Manuel é esse manual

Vítor Bruno conseguiu logo ao primeiro jogo oficial como treinador principal o que o pai Vítor Manuel não conseguiu numa longa carreira: a conquista de um troféu nacional, no caso a Supertaça. Mas Vítor Bruno vai precisar de muitos anos até poder ombrear com o pai no que à qualidade de treinador diz respeito. Porque Vítor Manuel faz parte daquele leque de treinadores que, nunca tendo treinado Sporting, Benfica ou FC Porto, não precisou de treinar um grande para ser grande treinador, com mais de quinhentos jogos só na primeira divisão.

Vítor Manuel dizia algumas vezes na redação de A BOLA TV que até agora o Vítor Bruno era o filho do Vítor Manuel, mas com  o sucesso do filho passava a ser «o Vítor Manuel é o pai do Vítor Bruno». Ora aí está algo que nunca direi. O Vítor Bruno pode até ganhar a Liga os Campeões que será sempre o filho do Vítor Manuel… E pude testemunhar também o orgulho que o pai sempre sentiu no filho, sentimento que sei ser recíproco e que me comove mesmo, na proporção de não ter eu essa felicidade por ter perdido o meu pai muito novo.

Conheci Vítor Manuel em 1996, como treinador do Belenenses. Conquistou-me ao primeiro contacto. Afável, brincalhão, com uma gargalhada contagiosa e um vozeirão que dava para ouvir a centenas de metros de distância. Em campo, pura adrenalina, um espetáculo dentro do espetáculo. E muito, mas mesmo muito humano, disciplinador mas também muito amigo dos jogadores. Pura emoção.

Li um dia que «a experiência é a quantidade de problemas que evitaríamos se lêssemos primeiro o manual de instruções». Vítor Manuel é esse manual.

Para ser sincero, por muito que Vítor Manuel saiba de futebol — e ainda hoje aprendo com ele —, nem é tanto sobre organização de treino, estratégias, táticas ou gestão dos jogos que Vítor Bruno pode aprender do pai. É mesmo sobre a vida. A vantagem dos mais velhos e que já estiveram em locais onde os mais novos ainda vão demorar a chegar. O pão que o diabo ainda vai amassar para Vítor Bruno há muito que foi digerido por Vítor Manuel. O pai sabe muito sobre a vida e, acima de tudo, sabe muito sobre pessoas. Acontece em todas as profissões: qualquer um pode chegar ao topo, mas só por lá fica quem sabe da vida e das pessoas. E sobre estes dois pilares, muito me enriqueceram as conversas que sempre fui tendo com o mestre Vítor Manuel. 

A conquista na Supertaça, que tem muito de treinador, poderá vir a ter um peso muito maior do que previsível na carreira de Vítor Bruno. À beira de um abismo que o colocaria sob um escrutínio muito apertado, emerge das profundezas com uma reviravolta épica, catalisadora de futuros promissores. Há pelo menos um ano que se comentava nos corredores do Dragão que Vítor Bruno poderia ser o futuro no FC Porto, denominador comum entre os que gostavam de Sérgio Conceição — «e se ele sai?» — e os que não gostavam — «quando é que ele sai?»

A página de hoje do meu Livro do Desassossego é um abraço. Ao Vítor Manuel. Com cumprimentos ao… filho do Vítor Manuel.