O filho da D. Dolores e do Zé Dinis

OPINIÃO23.12.202205:30

Cristiano Ronaldo terá julgado que lhe chegaria chamar-se Cristiano Ronaldo; faltou-lhe a humildade dos grandes

E STARÍAMOS a arrumar a mesa de trabalho para nos despedirmos como jornalista desportivo, quando terá desembarcado na Portela, uma senhora madeirense com um jovem pela mão. Que ninguém os conheceu. Gente sem nome para quem passava. Mas, pouco tempo depois, as mesmas figuras seriam assediadas por centenas, mais tarde por milhares.
O filho de D. Dolores, padeira e distribuidora, de manhã à noite, do tradicional pão do caco, e de Zé Dinis, jardineiro, homem doente perseguido pelo alcoolismo, falecido já quando seu filho era famoso, na véspera de um Rússia-Portugal, em setembro de 2005. Ronaldo, já gente grande, de posses financeiras, proporcionou a sua pai os maiores e caros cuidados médicos, internando-o até em hospitais estrangeiros.
Mas nada conseguiu. O seu primeiro desgosto na vida. Desaparecera o pai e o admirador que queria que seu filho fosse para os Estados Unidos da América porque ele, o pai, era um fã de Ronald Reagan. Mas as dividas do Clube Nacional e a impotência do Andorinhas de Santo António em pensarem mais alto para o seu pupilo, deu tempo para que o olho vivo sportinguista tivesse reparado que ali estava ouro.
E passado pouco tempo, o menino que até ali só vira nas suas mãos tostões, passaria a sentir peso de notas, que fazia dele alguém diferente: com poder nas biqueiras das botas e nas contas nos bancos. O seu nome começou a inundar a publicidade e os grandes negócios. O mundo inteiro começaria a gritar os golos, não do Ronaldo, mas do CR7, ele que queria ser o 20 e não 7 - este o algarismo que ao longo da vida tem sido um poço de petróleo…
Aposta em grande de Alex Ferguson para o Manchester United, em pouco tempo o clube inglês ainda se tornou maior com a sua jovem estrela, cada vez mais saudado no mundo do futebol, e começando a fazer cócegas ao também já enorme, com tamanho de anão, como era e é o grande argentino Messi. Mas Ronaldo ia cavalgando e conquistando as maiores distinções e as mais douradas do futebol internacional. O desconhecido ilhéu do Funchal começava a ser um nome mundial.
De Manchester para o Real Madrid, numa transferência de quase 100 milhões em 2009, e as maiores mordomias ao lado das vedetas badaladas. Os Mercedes para Ronaldo passaram a ser Fiats 127…Um T3 tomou o tamanho de mansão. Ter um avião era o desejo seguinte, tal como um brilhante iate.
O filho do senhor Dinis e da D. Dolores passara a ser um milionário. Os tostões que ele disputava com os irmãos eram recordação para dar garglhada. De Madrid para Turim e para a poderosa Juventus, que acreditou que com milhões de euros nos bolsos de Ronaldo o grande prestígio perdido iria ser recuperado. Mas as pernas de CR7 começaram a pedir descanso. E aqui começaria outra história.
O fogoso goleador lusitano também não se cansava de bater recordes ao nível da Seleção de Portugal, fazendo até esquecer ídolos também da sua pátria, mas tudo isso veio a dar-lhe oportunidade para que a sua supremacia, em campo e fora dele, se tornasse fator, de algum modo, prejudicial ao ego, que fazia dele um grande senhor do futebol e o dono do pontapé na bola português.
Golos e mais golos e até impensáveis títulos para este pequeno País. Era Ronaldo o maior no simbolismo da Torre de Belém.
É verdade que o então menino do Funchal, já com um busto inaugurado às portas do aeroporto com o seu nome, já quase nem era da  ilha da Madeira, mas da ilha de Ronaldo. Amante de família numerosa, nunca enjeitando um beijo da mãe Dolores, embora sem rejeitar a compra de amor, a qualquer preço, por esse mundo fora, distribuindo dólares e fazendo brilhar escritórios de advogados.
Embora se sentisse que nem tudo poderia correr a preceito toda a vida (nem com ele, nem com qualquer humano), a verdade é que o seu nome era dos primeiros nomes que a maioria dos jovens pronunciava. Mas, como escrevemos e como também sentimos, o ontem passa depressa.
O declinio dá os primeiros sinais, e Ronaldo regressa ao clube que lhe deu nome - o Manchester United; mas chegou despejando o seu ego, afirmando-se como o salvador de um clube que precisava de ajuda. O treinador conhecia o seu nome, não conhecia certamente a sua forma de jogar e, certamente, a sua idade. E todo começaria mal e de tal maneira que sucedeu o que ninguém previa, talvez até o próprio, que pensou que não faltaria quem lhe abrisse as portas com fanfarra.
Ronaldo pensou ainda que como capitão da Selecção das Quinas iria impor-se e recuperar o tempo perdido. Fernando Santos precisava do Ronaldo, sobretudo daquele Ronaldo habituado a marcar marcava golos como quem come amendoins… Mas o Ronaldo, querendo, porventura, acertar contas com o destino, julgava que lhe bastaria dizer chegou aqui o patrão.
Faltou-lhe a humildade dos grandes e voltar ao velho espírito de andar atrás da bola como fazia no Andorinhas. Não o fez. Acreditamos que já não possa, mas reagiu a pensar que só o seu nome assustaria os competidores. Os resultados estão à vista. A culpa é da vida, mas somos nós que devemos procurar orientá-la. E nem tudo se resolve com dinheiro. Sobretudo a falta de humildade.
É verdade que Ronaldo não teve em Fernando Santos um amigo, mas um santo homem. Ronaldo quis mandar e pensou que sabia comandar, mas o seu poder só está na biqueira das botas e dos golos. E estes não se vendem em lado nenhum.
Nunca apertámos as mãos a Ronaldo, nem sabemos a cor dos seus olhos. Temos pena. Ao longo da vida, também conheci uns seguidores de Ronaldo que davam pontapés na humildade… 


[N.d.r.] Joaquim Queirós tornou-se jornalista profissional em novembro de 1972. Afirmou-se em jornais como o ‘Jornal de Notícias’ e ‘O Comércio do Porto’, tendo sido diretor deste último. Fundou e dirigiu o trissemanário desportivo ‘A Gazeta dos Desportos’ e, em 1993, fundou o jornal ‘Matosinhos Hoje’, considerado, em 1995, pelo Clube de Jornalistas, o melhor jornal regional do País. Recebeu o prémio de jornalismo Joaquim Alves Teixeira, instituído pelo Governo, em 1982, e, ainda do Governo, a Medalha de Mérito Desportivo pelo seu desempenho na área da comunicação. Foi vereador na câmara municipal de Matosinhos entre 1989 e 1993. É autor de vários livros.