O ‘feeling’!

OPINIÃO13.01.201903:00

Nem precisaria o presidente do Benfica de vir publicamente confirmar Bruno Lage como treinador do Benfica até final da época para termos percebido, desde que Rui Vitória saiu, que era mais ou menos isso que inevitavelmente iria acontecer. Lage não seria apenas a escolha óbvia como, na circunstância, seria também a escolha mais sensata, tendo em conta a improbabilidade de qualquer treinador de topo - como o Benfica parece desejar para o futuro - aceitar o desafio de pegar no Benfica assim sem mais nem menos, em janeiro, a meio de um caminho tão difícil e sinuoso, quando o cenário no campeonato parece tão mais favorável ao grande rival FC Porto.

Para ir à procura de um treinador disposto a correr todos os riscos, na perspetiva de ter muito mais a ganhar do que a perder - e esse não é o caso de um treinador de topo, como bem sabemos - então seria sempre preferível deitar mão de um treinador da casa, que pelo menos não perde tempo a conhecer o clube nem a identificar o contexto em que vai trabalhar.

Não me custa nada a admitir, por isso, que o presidente do Benfica fale verdade quando diz que Lage foi sempre a primeira opção, como já tinha sido sensivelmente um mês antes, quando Vitória esteve quase com os dois pés fora da Luz e acabou por ficar sem qualquer proveito para ele próprio,para a equipa e para o Benfica.

Sabe tão bem como eu o presidente das águias que nesta altura, depois de tudo o que a equipa do Benfica foi perdendo pelo caminho, seria quase tão difícil conseguir que um treinador com estatuto aceitasse o desafio como encontrar uma agulha no palheiro.

Lage é, pois, repito, a escolha mais natural e a mais sensata.

Claro que, como sempre acontece com os treinadores, também ele será refém dos resultados que a equipa vier a obter. Mas terá sempre muito mais margem de manobra no que diz respeito à tolerância. Nenhum benfiquista exigirá a Bruno Lage o que exigiria a qualquer outro treinador que fosse contratado fora, com outra dimensão, outro custo e, também por isso, outra, e muito maior, responsabilidade.

A responsabilidade de Bruno Lage não é a de ganhar tudo e mais alguma coisa. A responsabilidade de Lage é unir o que se desuniu, motivar o que se desmotivou, e evitar que a equipa do Benfica seja, daqui para a frente, pior do que foi, esta época, até aqui.

É exatamente por não ter estatuto nem experiência que Bruno Lage é um treinador com muito mais a ganhar do que a perder.

Se, mais coisa, menos coisa, o Benfica não passar da cepa torta, o pior que pode suceder a Lage é ter de voltar atrás, ao lugar de treinador da segunda linha, onde o seu lugar parece altamente respeitado e valorizado, mesmo sabendo que isso o fará naturalmente atrasar-se na ambição de ser treinador na principal competição do futebol português.

SE, pelo contrário, endireitar a equipa, a fizer jogar melhor futebol e continuar a ir ganhando algumas coisas, superando, por exemplo, pelo menos alguns dos tremendos desafios que aí vêm, sobretudo de fevereiro até aos primeiros dias de março - altura em que o Benfica joga no Dragão para a Liga e fecha, talvez, o mais difícil ciclo da águia de que há memória nos tempos mais recentes -, então pode Bruno Lage ficar certo de ter encontrado o seu lugar entre o lote de treinadores que contam na equação dos clubes da Primeira Liga.

Terá sempre, portanto, muito mais a ganhar do que a perder, porque ninguém pode perder o que à partida não tem.

E, à partida, Bruno Lage não tem dimensão, nem experiência, nem estatuto, nem obviamente, e por isso mesmo, a responsabilidade.

E muito a ganhar se a coisa lhe correr bem!

Pode mostrar a competência que certamente tem, mas também vive a oportunidade de mostrar se tem ou não a personalidade, o espírito, o discurso, a exigência, algum carisma por muito pouco que ainda seja, e algum sentido de liderança por muito fraco que possa ainda revelar-se.

Duas pequenas vantagens que me parece ter: o modo como se mostra confortável na posição e o modo como fala sem complexos de futebol, do jogo e de jogadores.

É realmente o melhor que tem a fazer porque é o treinador do Benfica, pelo menos, até final da época e ponto final.

Outras primeiras impressões: mostrou convicção ao mudar o sistema de jogo e firmeza na decisão de incluir de imediato no onze o jovem João Félix.

E diz estar focado no que realmente interessa: no treino e nos jogadores para tornar melhor a equipa e tornar melhor o jogo da equipa.

Em Guimarães, esta semana, por exemplo, pareceu-me ter lido muito bem o que o jogo pediu no momento mais difícil do Benfica.

E o discurso, sendo simples, tem conteúdo. E tem uma forma engraçada de dizer algumas coisas. E é direto. E mostra poder dizer muito com pouco.

Parece, pois, ser capaz de vir a honrar uma certa tradição de qualidade das gentes de Setúbal no mundo do futebol em geral, e, de algum modo, no Benfica em particular.

É um feeling!

A Juventus foi à Arábia Saudita somar a oitava Supertaça italiana e Cristiano Ronaldo o 27.º título como profissional, o primeiro pelos italianos. Cristiano Ronaldo marcou o único golo do jogo, já soma 16 na Juve e 19 apontados em finais. O que mais impressiona não é, porém, nada disso; o que mais impressiona é como Cristiano Ronaldo continua a ser tão decisivo. Seja onde for. Frente seja a quem for. Em que competição for. Ao serviço de que clube for. Seja em que campo for. O que é que querem mais?

Só por despeito é que o sueco Ibrahimovic pode ter dito o que disse, no outro dia, sobre a Juventus não representar qualquer desafio para Cristiano Ronaldo uma vez que, sublinha Ibrahimovic, a Juventus está habituada a ganhar tudo e mais alguma coisa no futebol italiano, muito em especial nesta década.

Mas está enganado Ibrahimovic.

Para Cristiano, o grande desafio não era, obviamente, o de ver a Juventus continuar a ganhar; para Cristiano, o grande desafio era o de conseguir manter-se ele próprio o jogador tão decisivo e importante como sempre foi ao longo da carreira.

Esse desafio está Cristiano brilhantemente a ganhar.

Por muito que isso custe a figuras já decadentes como Ibrahimovic e a todos os que, porventura, torceriam pelo insucesso em Itália do mais poderoso futebolista da atualidade!

ENGRAÇADO: na semana em que o Sporting anunciava em Portugal a contratação do jovem médio costa-marfinense Doumbia, em Espanha, outro Doumbia, bem mais velho e mais avançado no campo, também costa-marfinense e ex-Sporting, fez o golo que deu ao Girona um fantástico empate (3-3) no dificílimo campo do Atlético de Madrid e a surpreendente e inesperada qualificação da equipa catalã para a fase seguinte da Taça do Rei.

Doumbia, o mais velho, apanhou no Sporting um ano difícil para toda a gente. E quase nada lhe correu bem a não ser, talvez, o dinheiro que ganhou.

Agora, bastou um golo em Madrid para o iluminar como nunca foi iluminado em Portugal.

O futebol é o momento. E o futebol tem muito destas coisas: jogadores que não dão aqui e dão ali, que não se adaptam aqui e se adaptam ali, que são crucificados aqui e valorizados ali.

Basta pensar como o futebol, jogando-se com os pés, está todo na cabeça para se compreender uma parte significativa do que acontece na carreira de muitos jogadores.

O Doumbia que partiu, partiu sem deixar saudades nos sportinguistas, como o Sporting não terá deixado lá muitas saudades num Doumbia que é, agora, idolatrado em Espanha.

O Doumbia que acaba, entretanto, de chegar a Alvalade, apesar de tão jovem, chega naturalmente com a esperança de deixar do outro Doumbia apenas o registo do nome e da nacionalidade, e do outro Doumbia não vir a herdar rigorosamente nada sobretudo em matéria de resultados desportivos no leão, como esperam, claro, todos os sportinguistas.

Não pode haver mal que sempre dure!...