O exagero

OPINIÃO23.10.202004:00

O Benfica entrou ontem com o pé direito na Liga Europa mas chegou a dar a ideia de poder entrar com o pé esquerdo. Sempre disse Jorge Jesus que prefere vencer por 3-2 do que por 1-0. Compreende-se e até se aplaude. Jesus gosta do futebol-espetáculo, gosta de golos como qualquer adepto, e gosta, como todos sabemos, de notas artísticas. Mas convém que a equipa não exagere na facilidade com que parece sofrer golos, como foi o caso de ontem, nesta estreia europeia, evidenciando a equipa portuguesa muito daquilo que a traiu na Grécia, quando deitou por terra todas as aspirações a estar, esta época, entre os maiores da Europa e na melhor e mais mediática das competições, a Liga dos Campeões.

Para o Benfica, o jogo teve principalmente duas estrelas: o resultado e Darwin Núñez! Mas a exibição teve também muitas dores de cabeça e muitos sinais que não podem deixar de preocupar Jesus, já para não falar dos apertos de coração dados aos adeptos encarnados.

A conclusão, assim à primeira vista, parece clara, e nenhuma a que o próprio Jesus não tenha feito já referência: o Benfica está bem melhor ofensivamente do que defensivamente. E, nesse sentido, o Benfica que se apresentou ontem na Polónia - frente a um Lech Poznan que sabia muito o que queria, sabia muito bem o que tinha de fazer e sabia muito bem, apesar de tudo, como o fazer - nem parecia uma equipa de Jorge Jesus. As equipas de Jesus são muito fortes no processo defensivo. E no processo defensivo, a equipa de Jesus voltou a mostrar, ontem, demasiada vulnerabilidade para o gosto, certamente, do treinador.

Nota, porém, que não explicando tudo, poderá ajudar a explicar muito de desequilíbrio defensivo a que o Benfica se sujeitou: a quantidade, absolutamente invulgar, de pequenos erros não forçados, como se diz no ténis, cometidos pelos jogadores do Benfica, inevitáveis rasteiras que a equipa coloca a ela própria e pelas quais paga, muitas vezes, o preço elevado e habitual neste tipo de competições - ele é o passe curto demais ou demasiado longo, são as perdas de bola em situações de construção atacante, as más decisões já no meio campo adversário ou mesmo no próprio, com saídas de bola sem o critério que se impõe -, num cenário que deu muitas vezes à equipa polaca a possibilidade de partir a equipa do Benfica com contra-ataques bem pensados e, felizmente para os encarnados, nem sempre bem executados.

O Lech Posznan foi para o Benfica adversário bem mais temível do que poderia, em teoria, supor-se, ainda que se perceba melhor, nestas alturas, como é desconhecido o trabalho que se vai desenvolvendo nas equipas da chamada segunda e terceira linhas europeias, sobretudo em campeonatos do leste que em tempos viveram períodos de manifesto maior fulgor e onde tradicionalmente se jogava (e continua, seguramente, a jogar-se) futebol de muita qualidade técnica e atlética.
Ao perceber a equipa polaca como poderia desmontar a suposta superioridade benfiquista, foi bem capaz de moer o juízo aos jogadores de Jorge Jesus e a um sistema defensivo que continua a privilegiar uma linha muito subida, que aposta muito no fora de jogo adversário mas mostra não ter sempre velocidade e entrosamento suficientes para impedir os amargos de boca por que passou ontem, com aqueles dois golos sofridos e mais os que poderia ter sofrido, apenas compensados pela qualidade ofensiva da equipa - que ajuda, para já, a resolver muita coisa - e a qualidade e, ontem, muita eficácia, de um jovem avançado, Darwin, que parece ter tudo para poder vir a confirmar-se como fantástica pérola descoberta por Jesus, e cuja teoria de Darwin se aplica na perfeição, nas medida em que o elevado potencial do jogador mais sobreviverá quanto melhor adaptado estiver. O que pode ter parecido, pois, muito exagerada a relação preço-qualidade na transferência de Darwin Núñez para o Benfica, pelo perfil que o jogador vem revelando arrisca transformar-se num caso de enorme sucesso.

Foi, realmente, a prática de Darwin a melhor das teorias benfiquistas, ontem, na Polónia, salvando uma equipa que nem as substituições ajudaram e que, para satisfação, e também preocupação, de Jesus, chegou a exagerar no que fez de bom, mas também no que fez de mau. Sem exagero!

INEXPLICAVELMENTE exagerada, profundamente chocante, manifestamente incompreensível, lamentavelmente ofensiva e compreensivelmente indesculpável, a atitude de um candidato nas eleições do Benfica de chamar «nazi» ao atual líder das águias. Mesmo num meio onde tanta coisa já é permitida, e muitas vezes infelizmente permitida, e mesmo num combate que tem sempre muito mais a ver com o impacto do futebol do que com os verdadeiros princípios da liderança desportiva, e mesmo num momento de disputa eleitoral, não é aceitável que se possa pensar que pode valer tudo. Não pode. Não vale tudo. Não pode valer tudo. E muito menos a agressão moral, ofensa ao caráter e violação da dignidade.

Francisco Mourão Benitez, que se define como empresário e é o sócio do Benfica n.º 3082, chegou a apresentar-se como candidato a ser candidato à presidência do Benfica. Mudou, entretanto, de ideias e aceitou integrar a lista do candidato João Noronha Lopes no lugar de candidato a presidente da Mesa da Assembleia Geral. Até aqui, tudo certo.

Ignorando em absoluto, porém, as responsabilidades de um candidato a um órgão social de uma instituição com a dimensão do Benfica, Francisco Benítez ultrapassou tudo o que em teoria pode esperar-se de uma campanha eleitoral num clube desportivo, e parece ter querido brincar com coisas demasiado sérias para se brincar, ainda que me tenha parecido que a brincadeira passou, infelizmente, muito despercebida.

Na última terça-feira, Benítez fez uma publicação nas redes sociais de uma imagem manipulada em que o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, também candidato às eleições no clube, surge na pele de uma figura militar nazi. Trocado por miúdos, Vieira aparece retratado como se fosse o Hitler do Benfica. Nem vale a pena, julgo, entrar em mais detalhes. Esta não é, porém, apenas uma brincadeira de muito mau gosto. É bem mais grave do que apenas uma brincadeira de mau gosto, e seria sempre grave fosse qual fosse a circunstância e os envolvidos.

Mas envolve quem envolve (um candidato a presidente da Assembleia Geral do Benfica, imagine-se, acusa de ser nazi o atual presidente do clube, e de novo candidato), e é feita num momento de tão particular importância como é sempre o ato eleitoral numa instituição desportiva, sublinho, com a dimensão e o impacto social do Benfica, numa sociedade democrática e num Estado de Direito que temos de continuar a confiar que é o nosso. Parece-me, sem qualquer exagero, tão grave o que aconteceu que esperei, confesso, ver Francisco Mourão Benítez autoafastar-se da lista de João Noronha Lopes, ou, na ausência dessa nobre decisão, vê-lo ser afastado pelo líder da lista.

Mas nem uma coisa, nem outra. Francisco Benítez veio assumir publicamente um pedido de desculpas como se um pedido de desculpas fosse suficiente para emendar tão inqualificável gesto, e é inqualificável porque, na verdade, não sei mesmo como o qualificar, e justificou o seu ato como tendo sido… involuntário. «Foi um erro resultante de um lapso», escreveu Benítez, no dia seguinte, na mesma rede social.

Não sei como pode tal gesto ser involuntário, ou como, por lapso, pode alguém chamar nazi a outro. Quanto à explicação, estamos, pois, conversados: foi pior a emenda que o soneto! Repare-se na qualidade do trabalho, delicado e rigoroso, que transformou a figura de Filipe Vieira numa espécie de líder militar nazi e tente imaginar-se o lapso que provocou o erro...

A imagem que  Benítez publicou na rede social foi reproduzida por A BOLA na edição da última quarta-feira. Dá para perceber, obviamente, o «erro» que, por sua vez, resultou do «lapso», como justificou, de modo hilariante, o autor desta muito-mais-do-que-uma-brincadeira-de-mau-gosto! Seria, na verdade, todo este episódio apenas cómico, não se fosse o caso de ser, incontornavelmente, trágico!

O que fez o candidato João Noronha Lopes? Afastou Benítez? Não, não afastou. E precisou, pelos vistos, de muito mais do que 24 horas para reconhecer ter-se tratado de «um episódio lamentável» e de «ofensivo», acabando, porém, a pedir, também ele, apenas desculpas, como se um pedido de desculpas desculpe a gravidade do sucedido. Mas não desculpa. E envergonha a ética e a dignidade! Sem qualquer exagero!

PS 1: Exageradamente má a arbitragem do City-FC Porto, a castigar o campeão português, melhor equipa no jogo até sofrer o 2.º golo. Depois de meter os pés pelas mãos em Alvalade, talvez Sérgio Conceição pense, a partir de agora, duas vezes antes de arriscar voltar a meter as mãos pelos pés na forma como, com alguns exageros, analisa o que lhe interessa. Maus árbitros há em todo o lado. E más decisões também. Dos árbitros, mas também dos treinadores!

PS 2: O jovem João Almeida deixou, ao fim de 15 dias, de ser o líder do Giro, mas já é um monstro do ciclismo português. Não estou a exagerar!