O capitão

OPINIÃO05.10.201801:55

Compreendo José Peseiro, e compreendo a necessidade que o treinador do Sporting sentiu de vir afirmar publicamente ter sido o responsável por todas as decisões tomadas relativamente ao chamado caso Nani. E compreendo José Peseiro porque a dada altura, realmente, pareceu passar através dos média uma certa ideia de que as decisões teriam sido tomadas a um nível superior, pelo presidente, e não pelo treinador, e por isso José Peseiro quis colocar alguns pontos nos is de modo até a clarificar que do mesmo modo que decidiu afastar Nani, decidiu reintegrá-lo e manter-lhe a braçadeira de capitão, e na verdade ninguém lhe deve levar a mal por isso, porque sabendo Peseiro que precisa de reconquistar alguma confiança dos adeptos é essencial que lhes transmita uma imagem de verdade no que diz respeito à disciplina e compromisso e grupo, bem como à firmeza da sua própria liderança.


Todos sabemos como é frequente no futebol termos dois pesos e duas medidas para iguais circunstâncias.


Quando é o reconhecido Mourinho a afirmar publicamente ser ele que decide, consideramo-lo manifestação de autoridade e liderança; se é José Peseiro, então já se cai mais facilmente na tentação de o considerar um desnecessário ato de se pôr em bicos de pés.


Não precisa Peseiro que o defenda; procuro apenas interpretar a realidade, que é também a minha obrigação enquanto observador e comentador do que se vai passando no futebol e em redor dele.


Assumirá, em todo o caso, José Peseiro as consequências de todas as decisões que tomar, e é assim que deve ser, cabe ao treinador - e nunca, evidentemente, ao presidente, seja ele qual for - decidir se afasta ou não um jogador, se conta ou não com ele, e em que momento conta ou não conta.


Outra coisa diferente, e essa sim, mais abrangente e de algum modo até um pouco mais complexa, é a de saber quem deve ser o capitão de equipa, ou sem em determinada circunstância ou na sequência de certos comportamentos, deve ou não o capitão continuar a ser o mesmo.
Sou dos que acreditam que cada equipa deve ter o seu capitão. Um capitão e não dois ou três. O que não quer dizer que não tenham de estar definidos os nomes de quem o substitua - os sub-capitães ou vice-capitães, como se lhes preferir chamar. Mas só um capitão.


Porquê? Porque deve o capitão ser o primeiro e refletir os valores do grupo, o espírito da equipa, o compromisso com os objetivos e com a camisola que se veste, mais a ambição, a alma, a raça, a determinação e o espírito de luta.


Deve o capitão dar o primeiro sinal de estabilidade na equipa e, sempre que necessário, deve ser o primeiro a lutar pelo equilíbrio e pelo ânimo do grupo; cabe-lhe motivar e manter seguros os elos de confiança entre o que se passa no campo e o que se vive fora dele.
Não faço a mínima ideia se Nani é visto pelo grupo e equipa técnica do Sporting como um bom capitão. Não lhe falta estatuto, carreira, experiência e sucesso, além de talento, e, portanto, nesse sentido, tem Nani muito do que se pede ao perfil de um capitão. Apenas reconheci que não é própria de um capitão com todos esses predicados a reação que Nani teve em Braga perante a decisão do treinador o substituir. E é nesse sentido que se pede a um capitão mais do que estatuto, carreira, experiência e sucesso.


Decidiu o treinador que Nani fosse ontem, na Ucrânia, de novo titular, e Nani mostrou compromisso em campo. Quanto a manter Nani como capitão, admito que possa José Peseiro ter querido aconselhar-se também com o presidente, e se o fez também não lhe fica nada mal, porque sobretudo num grande clube a figura do capitão da equipa principal de futebol não deve dizer apenas respeito à área restrita do futebol; diz respeito a todo o clube.


É isso que se espera que um capitão comece por compreender!


Já o que se passou ontem com o Sporting, na Ucrânia, nesta previsivelmente difícil deslocação até à pequena cidade de Poltava, pareceu até, nalguns aspetos, tirado um pouco a papel químico do que a equipa leonina mostrou, há duas semanas, no primeiro jogo desta fase da Liga Europa, diante do Qarabag, do Azerbaijão, outro dos antigos territórios - tal como a Ucrânia - das velhas Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Ontem, como há quinze dias, em Alvalade, foram Montero, Raphinha e Jovane Cabral a dar o brilho final à merecida vitória leonina, num jogo que já se sabia muito difícil para os leões pela circunstância em que sempre se jogam partidas deste tipo, em países tão distantes e em cenários quase sempre inóspitos para a natureza latina das nossas equipas.


Não me lembro, aliás, de alguma vez ter visto uma equipa portuguesa (de clube ou de seleção) fazer um grande jogo num país do mesmo espaço geográfico do que, ontem, recebeu um leão que se bateu muito mais do que jogou, para acabar por trazer, por fim, preciosa vitória graças a duas cerejas postas no topo de um bolo seco e, na verdade, sem grande sabor.


Tem sido essa a nossa sina neste tipo de confrontos: ganhar pela diferença mínima ou, simplesmente, nem chegar à vitória, o que dá a dimensão exata do sucesso do Sporting, a fechar uma semana cem por cento vitoriosa para as equipas portuguesas - três jogos, três vitórias - que, a bem dizer, já ninguém se deve lembrar da última vez que sucedeu.

MUITÍSSIMO menos brilho teve, a propósito, a vitória do Benfica em Atenas, conseguida quando já se assistia a um inacreditável descalabro da equipa encarnada, absolutamente incapaz de fazer prever aquele momento à Éder saído dos pés do improvável herói que acabou por ser Alfa Semedo.


Jogando toda a segunda parte com menos um jogador, o que pareceu foi, na verdade, que o Benfica jogou toda a segunda parte com menos três ou quatro, tal a confrangedora desorganização com que procurou defender a (fantástica) vantagem de 2-0 que obteve no primeiro tempo.


Se, porventura, a equipa de Rui Vitória voltar a não vencer, este domingo, na Luz, o rival FC Porto (que mesmo sem fazer um grande jogo, foi muito mais intenso e consistente na sua dificílima vitória europeia sobre um surpreendente Galatasaray...) creio que será chegado o momento de os responsáveis benfiquistas refletirem sobre o que mais preocupará os adeptos: não tanto o que a equipa ganha ou deixa de ganhar, mas o que joga ou deixa de jogar!