Nomeações
Alguém me dizia que não devia furtar-me a comentar aquele que tem sido, por estes dias, um dos assuntos mais falados na atualidade: a tão famosa fuga de informação sobre nomeações de árbitros para alguns dos jogos da Liga NOS. Esse tema quente - absolutamente determinante para a evolução do futebol profissional em Portugal e altamente suspeito quanto à prática de de atividades persecutórias, ilícitas e ameaçadoras da paz mundial - é, pois, o assunto da crónica de hoje.
Querem uma opinião sincera?
- Os árbitros são agentes desportivos obrigatórios no futebol. Sem eles, não há jogo. Nunca há jogo. Ponto. Quem vê a coisa de forma diferente, tem um problema sério para resolver.
- São apenas vinte os que arbitram na Primeira Liga. Sorteados, nomeados ou rifados. Com ou sem secretismo. Com ou sem carimbo. Com ou sem clube associado. Vinte. São esses e só esses.
- Num país evoluído, com gente arejada e virada para o que realmente importa, a nomeação dos árbitros devia ser o assunto mais irrelevante do futebol. Se isto fosse a sério, apitava o jogo o rapazito que aparecesse no estádio, com um kit de equipamentos numa mão e com um apito na outra. Ponto final.
- Como não somos evoluídos, arejados e preocupamo-nos recorrentemente com o que pouco importa, conseguimos tornar um tema comum e perfeitamente banal - quem apita o quê - numa novela mexicana, com contornos de drama e tiques de caso de polícia. Será do ADN ou mora, em cada um nós, um perfil psicótico que desconhecíamos?
- É certo e sabido que, de há uns tempos para cá, houve a opção de só se publicar nomeações no dia do jogo. Sabem porquê? Porque quando eram divulgadas mais cedo, alguns dos árbitros designados eram insultados, ameaçados e, não raras vezes, incomodados na sua vida privada. Isso antes mesmo de exercerem a sua função. Eram também alvo de atenção negativa de vários blogues e sites oficiosos e oficiais que, seletiva e estrategicamente, recordavam alegados erros praticados no passado.
Para evitar tanta pressão orientada, entendeu-se que o melhor era não dizer nada antecipadamente e comunicar a nomeação apenas no dia do jogo. Tudo para proteger o árbitro. Como paliativo, como antivírus a um surto tão poderoso e viral... foi ou não foi compreensível a bondade da opção? Foi. Claro que foi.
- Chegados aqui, percebeu-se que, quando há contas por decidir, o jogo do vale tudo ganha novos contornos. Se o conhecimento prévio abria a janela para a maledicência e especulação, o conhecimento à última hora abriu a porta para as ultra-secretas mas nem por isso fugas de informação. As pessoas estão agora pasmadas, chocadas até, com este novo drama, este atropelo execrável à verdade desportiva: «Como é que é possível saber-se quem apita o quê, se apenas 4.361 pessoas têm acesso prévio à informação?!? Wow! Temos caso!!.» O entretenimento habitual, lá está, num registo cultural muito nosso, propício a minudências quotidianas e incapaz de enfrentar o que de mais importante se passa à nossa volta. E, mais evidente ainda, no fim de tanta cruzada, de tanta tempestade de areia, de tanto bluff, a verdade continua a ser uma só:
- São vinte os árbitros que dirigem jogos da Liga NOS; para os encontros mais decisivos irão, seguramente, os juízes teoricamente mais experientes e qualificados; as nomeações deviam ser assunto irrelevante para quem gosta de futebol a sério; os árbitros serão melhores se tiverem menos suspeição e ruído negativo sobre si; continuamos a alimentar fait divers e a não discutir questões de fundo, que deviam merecer a nossa atenção e preocupação.
Pronto. Opinião dada.
Pelo andar da carruagem, o mais certo é, na próxima semana, usar este espaço para vos falar sobre o tipo de alimentos que os árbitros ingerem ou o sobre o local onde fazem compras de Natal para suas casas. Tudo coisas top secret, às quais a PJ estará seguramente muito atenta. Valha-me Deus.