No fundo!

OPINIÃO25.01.201903:27

Não podia ter sido mais feliz a semana para o futebol, com as quatro mais fortes equipas do País a defrontarem-se nas meias-finais da Taça da Liga, mas também não podia ter sido mais infeliz a semana para a arbitragem portuguesa, pelo surpreendente número de erros graves cometidos pelos árbitros no Benfica-FC Porto e no SC Braga-Sporting. Tão graves que só confirmam, realmente, a imagem que tenho hoje da generalidade dos árbitros portugueses, eu e provavelmente a larga maioria dos adeptos: que são na generalidade fracos e incompetentes. Foi isso que foram as equipas de  arbitragem nos dois jogos que esta semana concentraram em Braga todas as emoções - e foram muitas a emoções, naturalmente - do futebol nacional.

A Taça da Liga, que chegou a ser olhada com desdém por muitos dos principais competidores - sobretudo o FC Porto… - é hoje um troféu que todos querem ganhar. Esta semana, pareciam realmente reunidas as condições para todos ganharem, porque não é todos os dias que se veem as quatro melhores equipas portuguesas a discutir a presença numa final. Infelizmente, o trabalho dos árbitros nos dois jogos conseguiu ser tão mau que não é fácil guardar as melhores recordações.

E se alguém pensava que já tinha visto tudo depois de ver o que fizeram no Benfica-FC Porto o árbitro Xistra (no campo) e sobretudo um dos seus auxiliares, mais o VAR Fábio Veríssimo (na sala de TV), bem surpreendido ficou ao testemunhar o trabalho que realizaram Manuel Oliveira (no campo) e Luís Godinho (no VAR) no SC Braga-Sporting da outra meia-final. Inacreditável!

No Benfica-FC Porto, mais grave, muito mais grave do que o árbitro, auxiliares e videoárbitro decidiram foi o modo como chegaram às decisões. Vejamos, por exemplo, o lance mais controverso, o do golo anulado ao benfiquista Pizzi.

No momento em que Seferovic tocou a bola para Rafa, o auxiliar de Carlos Xistra que acompanhava o ataque dos encarnados, correu pela linha lateral, com a bandeirola em baixo, seguindo a corrida dos jogadores do Benfica, até ao momento em que Rafa deu a bola para Pizzi concluir o que seria o 2.º golo do Benfica. Só após a bola entrar na baliza portista é que o auxiliar de Xistra resolveu levantar a bandeirola, assinalando o alegado fora de jogo.

Procedimento inaceitável aos olhos de qualquer adepto.

Se o auxiliar de Xistra entendia, sem qualquer dúvida, que Rafa partira de posição irregular para receber a bola de Seferovic devia ter levantado a bandeirola no momento em que Rafa tomou contacto com a bola. Ou então, deixava seguir o lance até final e aguardaria que VAR e árbitro recorressem às imagens televisivas para decidir.

O auxiliar de Xistra optou simplesmente por não fazer uma coisa nem outra.

Primeiro, decidiu validar o lance ao árbitro, acompanhando o ataque do Benfica até praticamente à linha final sem assinalar qualquer irregularidade; depois, quando Pizzi fez o golo, decidiu então dar indicação ao árbitro de fora de jogo. Mas não era Pizzi quem estava fora de jogo; seria Rafa, mas muitos metros antes.

O que fez Xistra? Pediu, muito provavelmente, ao VAR que lhe confirmasse ou não a eventual posição irregular do jogador do Benfica.

O resto, podemos apenas presumir: ou Fábio Veríssimo disse a Xistra que não conseguia ter a certeza (lembro que o VAR vê as imagens sem qualquer linha virtual, daquelas que surgem nas transmissões para os espectadores) ou disse-lhe que sim, que Rafa estava em fora de jogo.

Se Veríssimo confirmou a Xistra que Rafa estava em fora de jogo, fez mal, porque não é possível, pelo que se vê pelas imagens de TV, ter a certeza absoluta se é ou não fora de jogo. E sem essa certeza, o golo não deveria ser anulado.

Se, por outro lado, Veríssimo disse a Xistra não poder ter a certeza, então Xistra seguiu a indicação do seu auxiliar. E nesse caso, Veríssimo não tem qualquer responsabilidade e a responsabilidade é integralmente do auxiliar de Xistra, muito incompetente pelo modo como agiu - primeiro, correndo a acompanhar o lance como quem o valida, e depois assinalando o fora de jogo já depois de feito o golo.

Onde Veríssimo não pode, porém, deixar de ser responsabilizado é, por exemplo, no lance que deu origem ao 1.º golo do FC Porto, porque tinha Veríssimo a obrigação, no mínimo, de dar a Xistra indicação para ver, e até rever, a forma como Óliver Torres ganhou, com falta clara, a bola a Gabriel.

Quando uma falta é assim tão clara, pode escapar, evidentemente, ao árbitro de campo, mas não pode escapar ao videoárbitro e é para isso que existe o videoárbitro e é por isso que o videoárbitro pode, na verdade, ser instrumento fundamental para o futebol de hoje.

Com um videoárbitro competente, o 1.º golo do FC Porto teria sido anulado. Ao contrário do que disse Sérgio Conceição, Óliver Torres não jogou limpo sobre Gabriel.

Gosto muito de Sérgio Conceição, gosto muito da paixão que Sérgio Conceição mostra pelo futebol, gosto muito do modo como se envolve e como envolve os outros na competição, há muito que penso que Sérgio Conceição daria, como deu, grande treinador, vejo como fantástico o trabalho de Sérgio Conceição no FC Porto, e admito sempre que a irreverência de Sérgio Conceição possa levá-lo a transformar, aqui e ali, algumas das suas opiniões em mensagens polémicas e controversas. Faz parte.

Mas o que Sérgio não deve é querer que outros vejam o que não é possível ver. Fica-lhe mal.

Defender a dama de cada um não pode ser defender o indefensável. E Sérgio Conceição não pode querer que tenhamos visto Óliver Torres tirar de forma limpa a bola a Gabriel quando Torres nem tocou na bola e só ficou com ela depois de derrubar o brasileiro.

Ter opinião e defendê-la com unhas e dentes é absolutamente legítimo; mas isso não pode levar ninguém a ver o que não existe!

Voltando a Veríssimo, ele também não deu, pelos vistos, qualquer indicação a Xistra para ver, ele próprio, o lance que envolveu Rúben Dias e Corona, e devia ter dado essa indicação, porque o lance merecia análise mais cuidada pelo possível penálti cometido pelo defesa benfiquista. Podem uns considerar que é Corona quem acerta na perna direita de Rúben Dias (não sendo falta para grande penalidade) e outros que é Rúben Dias quem acerta na perna esquerda de Corona (sendo, nesse caso, penálti). Tenho dúvidas. Mas é para isso que serve o VAR.

Na dúvida, Veríssimo devia ter dito a Xistra para ir ver as imagens. Era o mínimo. E até se defendia.

Mais tarde, também não deu Veríssimo, pelos vistos, indicação a Xistra sobre o possível empurrão de Marega a Grimaldo no lance em que o próprio Marega faz o 2.º golo do FC Porto. Tenho, neste caso, a opinião que Marega empurra Grimaldo, tirando-o do lance e ficando à vontade para fazer o golo, mas admito que Xistra pudesse ter outra interpretação. O que já me custa admitir é que Veríssimo, no VAR, não tenha considerado importante rever o lance.

Importante considerou Veríssimo, enquanto VAR, que fosse analisado ao pormenor a intervenção de Seferovic no golo encarnado. Nesse caso, precisou Veríssimo de ver, voltar a ver, rever, e voltar a rever, o que todos os espectadores televisivos puderam perceber rapidamente - Seferovic não dominou a bola com o braço mas com o peito.

Está Veríssimo simplesmente fora de forma? Se está fora de forma não devia ter jogado. Ou é apenas fraco?!  Já Xistra cometeu ainda o grave erro de não expulsar Seferovic, quando o suíço travou contra-ataque de Marega e, incompreensivelmente, não viu o 2.º amarelo. Podem discutir-se outros eventuais erros disciplinares, mas aquele foi tão evidente que até parece impossível.

Dito isto, o FC Porto mostrou no jogo porque é a melhor equipa portuguesa do momento, e o Benfica mostrou muito mais do que, à partida, se esperaria. FC Porto mais forte, mais coeso, mais organizado, mais adulto, mais quase tudo, e Benfica a dar resposta muito positiva e a conseguir, por exemplo, criar as melhores oportunidades de golo da 2.ª parte. Benfica mais fraco quando Bruno Lage arriscou aparentemente tudo - com o equívoco, a meu ver, de tirar quem podia (Pizzi) melhor definir o ataque, e manter quem por esgotamento já pouco poderia dar ao jogo (o jovem João Félix) - e FC Porto a matar, por fim, o jogo graças ao talento e à maturidade da equipa, mas, sobretudo, à inteligência tática de Sérgio Conceição.

PS: Se pensávamos que já tínhamos visto tudo, no SC Braga-Sporting do dia seguinte a coisa, nalguns casos, ainda foi pior (com os árbitros Manuel Oliveira no campo e Luís Godinho no VAR). Golo mal anulado ao SC Braga (com VAR e revisão das imagens pelo árbitro); possível penálti de Ristovski sobre Dyego Sousa (que o VAR não considerou importante e, portanto, ninguém reviu!!!), e penálti claro de Claudemir sobre Coates (com indicação do VAR ao árbitro e que o árbitro, inacreditável e inexplicavelmente, conseguiu não ver mesmo vendo e revendo as imagens). Foi a cereja no topo do bolo! Ou a arbitragem a bater no fundo?! Como sempre, o problema não está, obviamente, no erro; está no processo que leva ao erro. Os árbitros são profissionais e ganham bem. Já nem tudo pode ser desculpado!