Ninguém me pagou um almoço… mas o tempo de Lage acabou

OPINIÃO25.06.202004:00

Hoje tenho de começar por clube alheio. Não é coisa que me agrade, mas o Sporting (que, para já, é o campeão da pandemia) só joga amanhã e as intrigas habituais no universo leonino nem merecem muita tinta. Já a queda do Benfica…

Sejamos honestos, a queda do Benfica começou muito antes da interrupção do campeonato. Desde que perdeu no Dragão com o Porto, no já longínquo dia 8 de fevereiro, o clube da Luz não mais ganhou em casa. Isto quer dizer que nos últimos 11 jogos, contando com os da Liga Europa e os da Taça de Portugal, o Benfica fez 12 pontos em 33 possíveis. Pior, só ganhou duas vezes, ambas fora: ao Gil Vicente por 1-0, ainda em 24 de fevereiro, e ao Rio Ave, a 17 deste mês, por 2-1. Em casa perdeu com o Braga, também em fevereiro, dia 15, e com o Santa Clara, terça-feira passada. Empatou com o Shakhtar, com o Moreirense e com o Tondela, sendo que os dois primeiros jogos foram antes da pandemia. O Benfica - quem ainda se recorda? - teve sete pontos de avanço sobre o Porto e vai neste momento três pontos atrás. A continuar nesta curva descendente até o Sporting, que teoricamente tem 21 pontos em disputa, o passaria.

É por isso, no mínimo, estranho que Bruno Lage no fim de um jogo em que perdeu de forma incompetente, mas justa para o Santa Clara, pergunte aos jornalistas quem lhes paga almoços e viagens para questionarem o seu lugar como treinador. Penso que se fosse um dos jornalistas presentes teria uma de duas respostas tão idiotas como a pergunta: 1) o presidente do Benfica; 2) os sócios do Benfica.

Não é possível (tanto que é um recorde) tanto ponto perdido em casa de seguida. Não é possível que uma equipa que consegue dar a volta de 1-2 para 3-2 tenha um jogador consagrado a fazer um penálti infantil. E é menos possível que, faltando ainda alguns minutos para jogar, quando se estava em 3-3 não tenha sequer rematado com jeito (ou mesmo sem ele) à baliza do adversário. De acordo com os gráficos publicados aqui em A BOLA, só Zivkovic rematou aos 90+2 e sem grande convicção. Aliás, no cômputo geral, há oito remates à baliza do Benfica, contra seis dos açorianos; mas sete cantos do Santa Clara, contra quatro dos da Luz.

Por isso, caro Bruno Lage, cuja atitude serena tantas vezes elogiei, é verdade: ninguém me pagou nada, ninguém me convidou para lado nenhum. Mas o seu tempo como treinador do Benfica só não acaba já se a Direção do Benfica não vir hipóteses de reanimar o clube. Nem ganhar este campeonato o salva. É a vida… E como disse, a cara de quem ganha é diferente daquela de quem perde.

Sustentabilidades

Continuando no Benfica, mas agora não só, Luís Filipe Vieira completou 71 anos há dias e queria como presente uma vitória sobre o Santa Clara. Não a teve. Antes tinha-se andado a gabar de que o seu clube era diferente, com uma sustentabilidade financeira impecável, nem precisando de lay-off nem de coisa nenhuma. Agora, lá fez como os outros - um empréstimo obrigacionista até 35 milhões de euros… e pago a 4%, muito acima do mercado, para poder ser atrativo. Também fiquei a saber que o Benfica antecipou do contrato com a NOS 164 milhões de euros… enfim, admitindo que o Benfica está melhor do que o Sporting e o Porto, é conversa do tipo: diz o roto ao nu.

A propósito, ontem à noite, num episódio que não vou aqui relatar, moderei uma discussão sobre a sustentabilidade financeira no Sporting, no âmbito das jornadas Sporting com Rumo, que já tratou da governance e da revisão estatutária. Não vou também dizer quem participou antes de os ver lá, porque já na semana passada fiz o que se chama meter água ao divulgar nomes trocados. As jornadas são algo em movimento e tendo por lema ideias e não pessoas - o que me parece bem - às vezes não surgem nem umas nem outras.

A última polémica, que não sei se chegou a sê-lo, de facto, foi a ausência do nosso presidente da Mesa da Assembleia Geral, Rogério Alves, na sessão sobre revisão estatutária. Ele afirma que desde o dia 1 de junho tinha avisado que não ia e que o caso não é tema. Há quem diga (não dizendo, com aquela habilidade retórica conhecida) que terá sido por pressão da Direção do Sporting (a habilidade é expressar qualquer coisa como «não acredito que a sua ausência se deva a pressões da Direção do Sporting»). Mas a verdade é que Frederico Varandas também recusou estar presente. Mais do que isso - porque um direito que assiste a qualquer sportinguista e cidadão é ir ou não a um debate - não estão presentes nem noticiam a iniciativa a Sporting TV e o jornal do Sporting, que são dos sócios.

Pergunto à Direção se eles não entendem que não fazem muitos amigos com esta atitude. Várias pessoas que estiveram presentes e falaram nada têm contra Varandas, Rogério Alves ou os corpos sociais. Outras têm. Mas é nessa diversidade, com elevação, sem insultos e ataques, que temos de conviver. A mais consensual proposta de revisão estatutária é a existência de uma segunda volta para não haver vencedores do executivo do clube com menos de 50%. Acho bem e penso que muita gente dos corpos sociais achará bem. Como serão a favor de outra proposta que apoio e que foi feita; não diminuir o número de votos por antiguidade. Aliás, a lista de Varandas venceu as eleições devido a essa cláusula contra a qual muitos estão, sem perceberem que a antiguidade num clube pode não ser um posto, mas corresponde a um investimento maior dos mais velhos em relação aos mais novos. Além de impedir certos golpes.

O certo é que estas jornadas em nada prejudicam o clube - como se vê pelas atuais exibições e resultados. O certo é que Rúben Amorim está a imprimir uma marca, e mesmo aqueles que, como eu, desconfiaram da fortuna que se gastou com ele, começam a estar - se não estão já - rendidos à opção. Veremos amanhã na Cidade do Futebol, contra o que chamo falso Belenenses.

O certo é que a sustentabilidade de cada clube far-se-á da forma que os sócios e as Direções (sobretudo) quiserem. Mas não creio que fiquemos como uma ilha no meio do negócio que, cada vez mais, é o futebol. O tempo das boas intenções associativas já passou. Algo que também foi dito nas jornadas e escandalizou aqueles que nas redes sociais comentam. Porém, é a mais pura das verdades.

Da Liga de futebol

Aliás se há pessoa que me parece entender bem o que é o futebol moderno - já aqui o disse - é o atual presidente da Liga. Pedro Proença, que Vieira deixou de apoiar demitindo-se da Direção - mais um passo em falso ou vá-se lá saber o que terá sido que o motivou - tem um projeto para submeter à próxima AG que, depois de analisado, me parece absolutamente claro e digno de apoio. Basicamente, parte do seguinte princípio: a Liga não pode ser uma associação de clubes onde se dirimem as suas querelas e birras futebolísticas. Tem de ser, pelo contrário, uma empresa dinâmica com uma gestão eficaz onde os clubes dinamizam estratégias comuns capazes de desenvolver a autêntica indústria que é o jogo. Não faz sentido uns tantos clubes terem assento na Direção executiva. Faz sentido debaterem as grandes linhas nas Assembleias Gerais da Liga e terem, como é suposto, um Conselho de Presidentes, que nomeia um Conselho de Supervisão. Este, sim, acompanha o trabalho da Direção executiva e do presidente - que não representa clubes, mas deve ser profissional e ter o foco na Liga, no conjunto da indústria, nas receitas próprias, na centralização dos direitos televisivos; como se passa em todo o mundo.

Afinal ao que andamos a assistir nos últimos anos? À decadência do futebol português. Do Sporting, do Porto, do Benfica, para não falar dos clubes intermédios e dos mais pequenos. E o que queremos? Ser da III divisão europeia? Ou ter o estatuto que merecemos pelo passado e pelo presente? Basta ver o número de jogadores portugueses espalhados pelos melhores clubes do mundo e o número de treinadores (Luís Castro de parabéns) que orientam grandes equipas? Todos sabemos a resposta, mas alguns velhos do Restelo (e de outros bairros) querem tudo como dantes, com o seu poder intacto.