Não foi coincidência ou obra do acaso
As rodas dentadas de Eduardo Lourenço
Estes tempos, que por vezes se apresentam mais desgraçados do que era costume, têm sido deveras abundantes numa sucessão de mortes de nomes que para sempre impregnaram a vida de todos quantos os conheceram vivos. Agora foi a vez de Eduardo Lourenço. Um dos muito raros portugueses credores de uma vénia geral, para não dizer comum. Sem querer ser cínico, talvez aponte como justificação para tal quase-unanimismo o facto de muitos dos que agora lhe dedicam hossanas em coro nunca terem lido as suas obras, em especial as que versaram o conceito de Portugal.
Pessoalmente, fui e sou devedor da honra com que me distinguiu ao aceitar, uma década atrás, o convite que lhe fiz para integrar o Conselho Editorial da Babel, juntamente com outras glórias da nossa cultura, como João Lobo Antunes, Fernando Guedes ou Vasco Graça Moura, para citar só os que já partiram. Nunca deixei de me sentir fascinado - e aprendiz - perante o modo maravilhoso como envolvia o decurso e o discurso do seu pensamento. Lembro-me, aliás, que por vezes comentávamos em casa que quando ele se pronunciava se ouviam em simultâneo as rodas dentadas de uma prodigiosa máquina de pensar, qual mecanismo com precisão de relojoeiro. Em 2003 confessou a Anabela Mota Ribeiro, em entrevista profunda e densa (e de que outra forma poderia ser?):
«Eu próprio sou um fã de futebol - não é só de cinema. O tumulto de idolatria que lhes é reservado não é novo. A Grécia foi idólatra. Mas o desporto tinha um papel preciso, era a ante-câmara do combatente, que Píndaro vai celebrar. Depois veio a coisa moderna-moderna do desporto, que começou por ser puramente lúdica, a mais desprendida de todas, a mais fair play, e que se transformou numa roleta, que serve empresas que são todo um subsistema capitalista.»
E ainda mais: «Eu era do Benfica, nasci no Porto, devia ser do Porto, mas era do Benfica, que era campeão do ciclismo. O ciclismo é que passava na província, não passava futebol. Era pelo Nicolau em vez de ser pelo Trindade. O Benfica era representativo de uma comunidade, um bairro de Lisboa, onde o bairro se revia. Eram valores vividos e muito enraizados no contexto da cidade. Veja o Porto: o clube reinventou para o Porto uma outra identidade, que se confunde com a identidade do Porto.»
O elevador de Vítor Oliveira
Outro que nos deixou esta semana foi Vítor Oliveira, especialista à escala global em fazer subir de divisão as equipas mais diversas. E foram 11 (onze!) as vezes em que formações por si dirigidas ascenderam à divisão maior do nosso futebol. Estou em crer que não foi por coincidência ou obra do acaso. Por isso seria agora falacioso, e talvez também supervenientemente inútil, perguntar porque é que ele, tanto quanto é do meu conhecimento, nunca teve oportunidade de liderar uma equipa com outra altura e mais profundidade, uma que de verdade ousasse almejar o título. Mas pergunto à mesma: porque bulas é que Vítor Oliveira não gozou jamais do convite para dirigir uma equipa que jogasse para triunfar ao nível superior?
Todos nós chamamos elevador a uma coisa que tanto ascende como descende, porque a verdade física é que tal máquina é tão elevador quanto o é igualmente, e na mesma medida, um descedor ou descensor. E se algumas carreiras são feitas aos altos e baixos, por entre vales e veredas, já as do Mestre Vítor Oliveira voavam sempre em demanda dos mais altos picos. Como um elevador de sentido único, sempre a subir, porque a escalada só finda no topo.
Marchesín
Diz-se que as equipas devem começar a ser construídas pela defesa. Mais assertivo talvez fosse dizer que não há nenhuma grande equipa sem um grande guarda-redes. Depois do último desafio com o Manchester City já não podem subsistir quaisquer dúvidas: o guardião portista é um dos melhores do mundo na função.
De milhões à roda
FOI capa da edição de ontem neste jornal: o Dragão já embolsou (salvo seja!), sob o comando do actual técnico portista, e apenas no quadro das competições da responsabilidade da UEFA, com natural ênfase nas receitas advenientes da Champions, a impressionante soma de €182KK (cento e oitenta e dois milhões de euros). É obra, sim senhor. Ou, como diria um antigo grande industrial e banqueiro, «é uma pipa de massa!» Mas a riqueza gerada neste mesmo período não pode ser avaliada apenas pelas rubricas em apreço. Porque existe outro centro de proveitos (e também de custos) que pode ser - e nalguns casos é mesmo - tão ou mais importante do que as provas europeias de clubes. Refiro-me, naturalmente, às transferências de jogadores, com os consequentes efeitos de mais ou menos valias. Abra-se aqui um parêntesis para lembrar que, ao invés do que sugere o dialecto próprio do meio, os jogadores não são meros activos financeiros. Nem, muito menos, coisas susceptíveis de ser objecto de compra e venda. Dito isto, feche-se então este parêntesis. Para que se recordem agora os nomes dos principais atletas que saíram das fileiras do FC Porto nas três últimas épocas:
I) Guarda-redes: Casillas, José Sá, Fabiano e Vaná;
II) Defesas: Ricardo Pereira, Felipe, Éder Militão, Alex Telles, Diogo Dalot, Miguel Layún e Diego Reyes;
III) Médios: Danilo, Rúben Neves, Óliver Torres, Vitor Ferreira e Herrera;
IV) Avançados: Soares, Brahimi, Gonçalo Paciência, Galeno, Fábio Silva, Zé Luís, Aboubakar e Adrián López.
Conclusão: mais do que uma equipa, um plantel quase inteiro. Daí que no período em análise Sérgio Conceição se tenha visto obrigado a, por mais de uma vez, ter de (re)fazer a equipa. Com peças diferentes para atingir os mesmos resultados. E com os inerentes custos e correspondentes proveitos.