Não é fácil ser Gonçalo Ramos
Gonçalo Ramos fez o 2-0 para o PSG no recente clássico frente ao Marselha, no Vélodrome (Foto: Clement Mahoudeau/IMAGO)

OPINIÃO Não é fácil ser Gonçalo Ramos

OPINIÃO03.04.202409:00

É uma carreira construída a vencer enormes desafios: primeiro, a desconfiança no Benfica; depois, ter de fazer melhor que Ronaldo e Mbappé

Há jogadores que convencem no primeiro toque na bola e outros que precisam de muitos toques, corridas, passes, assistências, golos e mesmo assim não se tornam consensuais porque ao primeiro deslize o curto capital de confiança se desvanece, obrigando-os a fazer quase tudo de novo.

Gonçalo Ramos enquadra-se nesta categoria. Seja porque não é um avançado rápido com bola, um prodígio de técnica ou simplesmente porque muitos dos seus golos são feitos à base de um ou dois toques. Aquilo que desdenhosamente certos poetas da bola resumem à frase: «Só corre e marca golos.»

Mesmo tendo sido o melhor marcador do Benfica na época passada, não vi, ao contrário de outras transferências bem mais robustas, uma comoção geral pela sua partida após a transferência para o Paris Saint-Germain, como se fosse relativamente fácil encontrar um substituto que fizesse o mesmo.

Até mesmo dentro do clube havia, até à vinda de Roger Schmidt, uma desconfiança sobre o potencial do algarvio. Foi preciso chegar alguém de fora, com outras ideias, para chegar ao pé dele, ainda nos primeiros treinos, e dizer-lhe algo do género: ‘És o tipo de avançado que quero, vais ser essencial na minha estratégia’ – o alemão pode ter os seus defeitos, mas foi o único capaz de olhar para Ramos e retirar tudo o que ele tem de bom. Aconteça o que acontecer nos próximos meses, isto ficará na história.

Não é fácil ser Gonçalo Ramos. Porque é daqueles pontas de lança que requerem uma visão especial de quem recruta ou treina. Aquilo que em futebolês se designa por ‘ter olho’: a capacidade de identificar virtudes que não são aparentes mas que se encaixam imediatamente no puzzle mental de quem tem a incumbência de formar um onze ou um plantel.

Não é fácil ser Gonçalo Ramos porque também é o único jogador no mundo com a responsabilidade de superar Cristiano Ronaldo e Mbappé. Nenhum outro tem, atualmente, um peso assim nos ombros. E no entanto é como se fosse um passeio no parque.

Na Seleção Nacional já se percebeu que as pernas nunca lhe tremem, mesmo que tenha de substituir o melhor futebolista português de todos os tempos. Os números falam por ele: oito golos em 514 minutos distribuídos por 11 jogos, o que dá uma média de um golo a cada 64 minutos.

E no Paris Saint-Germain (mesmo que não jogue na mesma posição que o capitão e seja teoricamente compatível) aconteceu um daqueles episódios que marcam uma carreira: com a equipa reduzida a 10 unidades e já a vencer por 1-0 frente ao rival Marselha, em pleno Vélodrome, Luis Enrique decide tirar a grande estrela da equipa para colocar o português em campo. Mbappé faz birra (e um desrespeito pelo colega que vai entrar no lugar dele), Gonçalo entra e depois faz o 2-0.

Fosse um daqueles jogadores destrambelhados e todos diríamos que seria a irresponsabilidade a sobrepor-se à pressão, mas como não é esse o caso só podemos encontrar na enorme força mental e autoconfiança a explicação para ele nunca acusar a responsabilidade de ter de fazer melhor que dois monstros do futebol mundial.

Gonçalo Ramos dificilmente será candidato a ganhar uma Bola de Ouro, mas aqueles que sonham com o troféu podem ficar mais perto de o conseguir se o tiverem na sua equipa. Porque é a antítese do avançado egoísta. E mesmo assim não perde o rótulo de goleador. Nada mau para quem só corre a marca golos.