Lenda leonina vai perdurar na história gloriosa do clube que tanto amou
Vítor Cândido, Saucedo, Jordão e Manuel Fernandes à mesa, em Sarilhos. Foto: DR

As memórias de... Vítor Cândido Lenda leonina vai perdurar na história gloriosa do clube que tanto amou

OPINIÃO05.07.202413:41

Tantas histórias, em tantos anos, sobre um homem que apesar de consagrado nunca perdeu a humildade. Que tristeza!

A despedida do leão Manuel Fernandes foi justa e digna de uma lenda do Sporting. A direção do clube preparou e realizou, com todos os pormenores, o velório no Hall VIP do Estádio José Alvalade, dando-lhe, assim, a merecida importância como figura grada do desporto e da cidadania em Portugal. Com os presidentes, Frederico Varandas (Direção) e João Palma (MAG), sempre presentes, ao lado da família. Uma organização exemplar. Ao longo do dia e da noite, milhares de pessoas, sportinguistas e não só, ali passaram, num último adeus de homenagem ao Eterno Capitão. Uma lenda leonina, que vai perdurar para sempre na história gloriosa do clube que tanto amou. Ele que, apesar da sua consagração como grande símbolo, nunca abdicou da humildade. Nunca deixou de viver em Sarilhos Pequenos. Homem simples e popular, boa pessoa, um ser humano excecional, que granjeou e cultivou amizades. Respeitado e admirado pelos seus adversários.

Do Manel, meu amigo do peito, de uma convivência de cinco décadas, guardo tantas e tão boas memórias. Por exemplo, na sua quinta, em Sarilhos Grandes, onde gostava de reunir os amigos e familiares em grandes petisqueiras e churrascadas. Especialmente no seu aniversário, a 5 de Junho, todos os anos reunia os companheiros de equipa e os amigos (onde sempre me incluiu) para uma grande festança. Algumas vezes, antes do banquete, arranjámos convívios futebolísticos: uma equipa do Manel, onde incluía amigos ligados ao futebol do Sporting (equipa técnica, equipa médica, dirigentes e roupeiros) contra a equipa do jornal A BOLA. Nesses dias era um movimento desusado em Sarilhos. Ainda agora, no velório, recordei essas jogatanas, com o seu amigo artista/fadista Jorge Fernando (também presença habitual nesses eventos). O Manel era um dos nossos. Não discriminava ninguém. Sempre disponível para uma entrevista ou reportagem. Quantas fizemos? Às vezes era por tudo e por nada. Antes dos jogos e depois dos jogos. Nas pré-épocas, nas Açoteias (Algarve), naqueles quinze dias, era na praia e nas esplanadas. O capitão sempre ao dispor. Lembro-me da fotografia icónica do Manel na primeira página de A BOLA, quando fez 5 golos ao Penafiel (Agosto 1985). E quando fui a Sarilhos, com o Santos Neves, para falar com Manuel Fernandes, o Bola de Prata, com 30 golos em 29 jogos. Já tinha 35 anos. Regozijo-me de ter feito a última entrevista do Manuel Fernandes, onde recordamos os bons velhos tempos, no programa Eu lembro-me de ti, da Sporting TV.

A grande amizade enquanto jogador perdurou quando passou a treinador. Primeiro foi no Vitória de Setúbal. Ora no Verde e Branco, na praça de touros, ora no Fernando, almoçávamos peixinho todas as semanas. E muitas vezes na Casa das Enguias, do Tó Manel, na Lançada – Sarilhos. Depois passou para o Estrela da Amadora, aqui estávamos em casa. Todas as semanas almoçávamos em Entrecampos, com o nosso amigo António Sereto, o sportinguista alentejano. Ainda passou pela Ovarense, antes de voltar ao Sporting (trazendo José Mourinho), como adjunto de Bobby Robson. A seguir, três anos no Campomaiorense, com o seu fiel adjunto António Oliveira, conterrâneo de Sarilhos. Ali permaneceu com o presidente João Manuel Nabeiro, o dirigente Pedro Morcela e o diretor desportivo António Fidalgo. Sem esquecer o grande patriarca Rui Nabeiro. Gente boa! Ainda agora, no velório, revivemos esses momentos de convívio e de cavaqueira, nas tertúlias do restaurante Aperta Azeite. Durante seis anos, o Manel brilhou na Ilha de S. Miguel, como treinador do Santa Clara. Onde conseguiu duas subidas, até ao escalão principal, colocando os Açores no mapa do futebol. Inesquecível foi aquele naco de carne (tornedó), no almoço da praia do Pópulo.

Muitas são as histórias vividas e comentadas: a fuga do jovem Paulo Futre para o Porto. Era o Manel quem lhe dava boleia diariamente para Alvalade mas naquele dia… bem esperou; o desgosto de sair do Sporting, para aceitar o convite do amigo Fernando Oliveira, presidente do Vitória, quando ficou convencido que, devido à idade, passaria a ter menos oportunidades para jogar, com Keith Burkinshaw; aquela cena em Alvalade, com o Bento, guarda-redes do Benfica, que motivou agressão, penálti e vitória por 3-1, rumo ao título de 1981/82… Estava a construir a bancada; e a eliminação com o Barcelona, após a sua substituição, feita por Manuel José; em Novembro de 1987, no jogo Vitória de Setúbal-Sporting (2-1). Eu nem queria acreditar. O Manel a jogar do outro lado, contra o Sporting? Para cúmulo, logo no primeiro minuto, fez ele um golo, ao nosso amigo Vítor Damas. Pior foi quando o Manel, aos 20 minutos, a saltar com o Virgílio, num choque de cabeças, afundou o osso maxilar, fratura grave que o levou de imediato para o hospital. Onde fui vê-lo, alta noite, depois de fazer a reportagem. São situações que nunca se esquecem. Como o célebre jogo históricos dos 7-1 ao Benfica, com quatro golos do MF. Ou como a satisfação do Manel quando foi chamado para adjunto do Bobby Robson. Que felicidade a dele. Voltar ao Sporting era o que mais queria. Porém, com a saída do inglês as coisas complicaram-se porque o substituto, Carlos Queiroz, relegou Manuel Fernandes para funções secundárias, preferindo José Alberto Costa a seu lado. O maior desgosto, a maior desfeita sofrida pelo meu querido Manel foi quando, há poucos anos, foi despedido da atividade no Sporting e alguém responsável o designou como pior funcionário do clube. O que ele sofreu.

A nossa afinidade familiar vinha dos anos 80, quando, nas férias do verão, por esta altura, nos encontrávamos na Praia da Rocha ou na Praia do Vau. Com as crianças pequenas. E com outros jogadores conhecidos. Chegámos a fazer sardinhadas na quinta do meu compadre Aníbal Mourinho, em Silves. Éramos visitas de casa. Chegou a visitar a minha aldeia serrana, Monte Frio, no concelho de Arganil. Infelizmente a doença levou o nosso Manel e já não o teremos mais entre nós. Até nos convívios dos Núcleos do Sporting. Onde era tão acarinhado. Onde se sentia bem e gostava de estar. Ai que tristeza!