Isto não é uma carta para o Carlos Pereira Santos
Foi figura de A BOLA e uma Pessoa – com P – muito importante na vida de muita gente
Não sei se o Carlos Pereira Santos acreditava em Deus. Tenho a certeza de que falámos sobre o tema, mas não me lembro do que ele achava. Não recordo se tinha fé nas almas que perduram ou em reencontros no céu, no inferno, no purgatório ou em qualquer outro local de passagem. Eu não acredito, e por isso não escrevo para ele como se ele pudesse ler-me. Porque acredito que não pode.
A morte é o fim. Sendo um fim anunciado desde o nosso primeiro dia de vida, perdura como maior mistério da Humanidade (para os bichos e as plantas parece mais simples).
Mas, caramba!, precisava de ser prematura? Precisava de vir fora do tempo e da lógica? Se calhar sim — mas como não acredito em Deus limito-me a chorar o P. com a resignação dos agnósticos que entendem a vida de um humano como algo para ser vivido dentro dos parâmetros da ciência. E hoje, felizmente, já não é normal morrer aos 62 anos.
O P. era (escrevo de propósito no passado) uma pessoa do presente e do futuro. Morreu no dia em que o país mais Iluminado da Europa consagrou o direito ao aborto na sua Constituição. Aposto que ele estava de acordo, e feliz, com mais este passo civilizacional dos franceses.
Não são de hoje as saudades daqueles telefonemas de final da manhã, ou início de tarde, em que ele me dizia «Alex, preciso de mais espaço!».
Eu era, nesses anos, responsável pela edição de A BOLA e ele o chefe da delegação do Porto. Queria sempre mais porque tinha sempre algo a acrescentar. Vivia nele um jornalista puro, desesperado pela notícia (e A BOLA tem a agradecer-lhe muitas, tantas).
Foi dos mau-feitios mais fáceis de gostar que conheci. Tudo o que dizia, fazia e reivindicava tinha o propósito de tentar fazer melhor para quem nos lia. Na maioria das vezes melhorámos isso por causa dele. E não, não se trata aqui de um elogio fúnebre hipócrita, ou sequer de circunstância. Até porque tínhamos meia dúzia de teimas que nunca conseguimos resolver, o que é fantástico numa relação saudável.
Sabia que o Carlos não estava bem. Felizmente falei-lhe no período de dor, lamentando que não me estivesse a pedir mais páginas para os clubes do Norte.
Percebo agora que escrevo na primeira pessoa porque, precisamente, é afinal para nós próprios que escrevemos nestas ocasiões. Se fosse uma carta aberta, não seria um «Carlos, a gente vê-se um dia destes», mas um: «Porra, Carlos, tinhas mesmo de nos deixar aqui?».
Esta não é uma carta aberta para nenhures. É a recordação de um homem bom. É um abraço sentido ao Vítor (diretor de O Jogo, onde o P. atualmente espalhava o talento), ao Nuno Vieira, amigo comum, ao Cajó, filho e grande profissional da área do futebol. Aos meus atuais colegas Paulo Pinto, que me deu a notícia, e Pascoal Sousa. A toda a família e amigos. Ao jornalismo português e ao jornalismo do Norte, carago.