Intervalo

OPINIÃO07.12.201803:00

Inevitavelmente, o assunto parece estar apenas no intervalo. Porque nem o nome de Jorge Jesus deixou de andar por aí (como ontem brincou Sérgio Conceição) nem o nome de Rui Vitória deixou definitivamente de ser questionado. Não é provavelmente o cenário que qualquer um deles mais desejasse para esta quadra natalícia, sobretudo, como se compreende, Rui Vitória, porque é ele que tem o lugar em causa, é ele que é contestado, foi ele que esteve quase despedido, é ele que tem (porque quer, bem entendido) de continuar a trabalhar e a conviver com quem, pelos vistos, já o queria ter visto pelas costas. Mas em qualquer caso, também para Jesus não será propriamente o cenário que mais lhe convinha neste final de ano, porque não o largam e não o deixam em paz com um assunto que ele mais gostaria de ver debatido e/ou decidido na tranquilidade das conversas privadas.

Volto ao tema porque não falta quem continue a querer passar a mensagem de que Jorge Jesus não é desejado pela maioria dos benfiquistas, como se a maioria dos benfiquistas pudesse ser confundida com o desejo de algumas figuras com acesso aos meios e comunicação. E não quero com isto dizer o contrário, que a maioria dos benfiquistas aceitará bem o eventual regresso de Jesus à Luz. Nada disso.

É a já velha história da construção de mensagens e estratégias de comunicação de acordo com o que mais convém  um determinado momento, e agora até parece que defender Jorge Jesus é crime só porque Jorge Jesus resolveu passar do Benfica para o Sporting e se envolveu, num determinado momento muito infeliz, numa guerra de palavras contra Rui Vitória, que realmente não lhe ficou nada bem, mas que não deveria ser transformada, como alguns convenientemente parecem querer, em insultos à instituição Benfica ou aos seus adeptos.
Recordo mais uma vez que foi o Benfica que insultou a dignidade profissional de Jesus ao colocá-lo (acusando-o de muita coisa) no caminho de um julgamento que, tendo chegado, e muito, a ser um julgamento popular (como parece, infelizmente, estar na moda no nosso País) não assentou, para bem de todas as partes, na barra do tribunal.

Estratégias de comunicação à parte, no limite o que deve discutir-se é realmente futebol, e discutindo-se futebol, o que deve perguntar-se é quem é o melhor treinador para o Benfica, Rui Vitória ou Jorge Jesus?

É a resposta, na minha opinião, óbvia, se compararmos verdadeiramente o (melhor) futebol do Benfica de Jorge Jesus com o (pior) futebol do Benfica de Rui Vitória, e não no raio das estatísticas com que cada um gosta de jogar de acordo com o que mais lhe convém.
Não sou eu que digo que Jorge Jesus marca realmente as equipas e os jogadores com que trabalha; dizem os jogadores, que são quem melhor define os treinadores, porque os jogadores sabem bem, e são os que sabem melhor, quem é realmente melhor ou pior treinador.
E do mesmo modo que Pablo Aimar - com quem Jesus não terá tido sempre o melhor relacionamento - não precisava de elogiar tanto Jesus como fez um dia, na Argentina, já após terminar a carreira, também Bas Dost, por exemplo, não precisava de se ter referido ao seu ex-treinador no Sporting do modo tão elogioso e marcante como o fez na recente entrevista que deu ao canal de televisão do clube.
Jesus não marca apenas jogadores. Tem, pelos vistos, marcado também jovens treinadores já no ativo ou pretendentes à carreira, que de uma maneira ou outra não escondem a sua inspiração nos modelos e nas estratégias de jogo que Jesus tem construído ao longo dos anos. São (mais ou menos) os casos de Sérgio Conceição, Paulo Fonseca, Abel Ferreira, Silas, José Pedro, César Peixoto, para citar apenas exemplos.

Volto às famigeradas estatísticas: usá-las para fintar outros resultados é novo exercício artístico, talvez bem desenhado, mas falsamente objetivo, como se tudo se resumisse no Benfica à comparação entre as duas primeiras épocas de Jesus e as duas primeiras de Rui Vitória para se poder classificar, inadequadamente, Rui Vitória como tendo tido mais sucesso do que Jesus. Dirão isso os números, como sabemos, mas nem as comparações devem ser feitas apenas à custa dos números nem os números devem servir para fazer todo o tipo de comparações.

VENCER fora de casa nas competições europeias é sempre bom; vencer fora num jogo europeu e logo por 6-1, então, é fantástico, seja onde for. O último adversário europeu do Sporting foi o Qarabag?! Foi. Mas chamar-se Qarabag não diminuiu em nada o que ficou da imagem dada pelo leão do holandês  Keizer, um treinador que na forma de comunicar e transmitir ideias me faz lembrar um bocadinho o sueco Sven-Goran Eriksson quando há mais de três décadas chegou a Lisboa com palavras curtas e frases simples e um discurso, portanto, muito prático, tal como transmite Keizer nestas suas primeiras impressões.

Não se trata de sobrevalorizar o último jogo europeu dos leões. Mas também não se podem ignorar os sinais dados pela equipa só porque o Qarabag pertence a uma espécie de terceira divisão europeia, sinais esses que vieram, aliás, a confirmar-se em Vila do Conde, num jogo da Liga que se previa (e foi) difícil, tão difícil como bem ganho.

Pelo menos o que parece, à vista ainda relativamente desarmada e numa apreciação ainda sem muito detalhe, é que esta equipa do Sporting está claramente de cabeça mais limpa, está mais tranquila, mais fresca e por isso também mais disponível, parece uma equipa mais confortável com o que tem de fazer, e dão os jogadores a ideia de sentir menos pressão e, portanto, menos medo de arriscar e menos receio de falhar.

Apesar de se jogar com os pés, quase tudo no futebol está na cabeça; e se a cabeça estiver mal, não há pés que ajudem!
Ainda sem muito tempo de trabalho, Marcel Keizer dá a ideia ter começado por aliviar a válvula daquela espécie de panela de pressão em que a equipa leonina pareceu ter andado a viver perante tanto obstáculo e tanta dificuldade desde o início da competição.
Em circunstâncias como a que o Sporting estava a viver, talvez sejam as vantagens de passar a ter um treinador mais distante de uma certa realidade negativa e, por isso, mais capaz de simplificar processos e de não dar, pelo menos por enquanto, muita importância a certas coisas.
A competência de Keizer, ou de qualquer outro treinador, nunca se vê no curto prazo. É preciso tempo para se perceber como um treinador gere as dificuldades, os eventuais conflitos, para se perceber como motiva, como promove a raiz competitiva no plantel, como determina as suas opções e como conduz e define realmente o processo de crescimento da equipa.

Ao ter alegadamente aberto a válvula de pressão que pareceu, por todas as razões e mais uma, abater-se sobre a equipa, Keizer mostrou ter percebido bem para onde veio. Quanto ao resto, é cedo para avaliar.

É um pouco como o presidente e com a discrição, aparentemente muita positiva, com que  tem andado a conduzir o clube. Frederico Varandas tem sabido aparecer, mas tem, sobretudo, sabido desaparecer, deixando o palco para os verdadeiros protagonistas e passando, agora, a muito interessante mensagem de que será com «inteligência e competência» que o clube voltará a vencer e não… com «barulho»! Veremos se Varandas, um jovem presidente a dar primeiros passos num meio tão difícil, será capaz de resistir, para lá dos erros que possa vir a cometer, ao barulho infernal que se vai ouvindo no futebol português. Se for, tiro-lhe o chapéu!

PS 1: Sim, sempre tiveram a coragem de não atribuir a Cristiano Ronaldo a Bola de Ouro de 2018, essa distinção que há décadas ilumina o melhor futebolista a jogar na Europa. Sem Cristiano Ronaldo e sem a Torre Eiffel, magistral cenário de há um ano, a Bola de Ouro de 2018 acabou nas mãos de Luka Modric, como francamente já se esperava. E volto ao mesmo: o problema não está em Luka Modric, um extraordinário médio. O problema está nos que este ano insistiram em não premiar aquele que continua a ser, verdadeiramente, o jogador de maior impacto e aquele que é, de momento, realmente o maior do mundo, Cristiano Ronaldo.
Como disse, com alguma graça, no estúdio da Bola TV a apaixonada por futebol Marta Rebelo, ter ganho Modric foi como se num concurso de misses ganhasse não a mais bonita mas… a Miss Simpatia. Tal e qual!

PS 2: Gosto muito de Sérgio Conceição, já gostava dele como jogador, e gosto dele pelo caráter e autenticidade, e por me parecer sempre tão genuíno. Mas creio que o próprio Sérgio Conceição reconhecerá que voltou, agora, no Bessa, a perder a cabeça para lá do limite do razoável. Nenhum problema na exuberância com que festeja ou protesta. Mas sabe que a televisão mostra hoje tudo. E mesmo o Sérgio Conceição mais explosivo e genuíno tem de saber qual é o limite. Pior que o soneto, só mesmo a emenda. Em Inglaterra, a exuberância da (boa) festa de Jurgen Klopp valeu-lhe nove mil euros de multa; em Portugal, a exuberância da (má) festa de Sérgio, custou-lhe menos de 800 euros. Está tudo dito!