Gyokeres, o 6.º violino
Gyokeres continua a gravar o nome na história do Sporitng... (IMAGO)

Gyokeres, o 6.º violino

OPINIÃO26.09.202412:00

Como Ronan Mattin, criança autista e não verbal, me ajudou a descobrir como elogiar Gyokeres... Eu sou o Jorge Pessoa e Silva e esta é a crónica semanal do meu Livro do Desassossego...

Quanto mais Gyokeres cresce, mais o dicionário mingua. Quantos mais golos marca, menos adjetivos encontramos. Quando o extraordinário se torna a norma, as palavras perdem força. Sim, os adjetivos também definham quando usados de modo prolífero. Porque perdem impacto. Tantas vezes repetidos, deixam de ser ponto de exclamação!

De A a Z, começam a esgotar-se as hipóteses de encontramos o adjetivo certo para o que o avançado sueco tem feito em campo. Podia tentar ser diferente e escrever que Gyokeres assume um papel precípuo, alcandorado a uma posição supernal. Simplesmente pasmoso! Mas seria um exercício de pura bazófia, até contraproducente, o oposto à simplificação de todos os gestos e decisões de Gyokeres.  

Podia até cometer o sacrilégio de citar Manuel Alegre e dizer que Gyokeres é a «máxima tensão»; «o touro» e a «corça»; «a arte e a inteligência do puro jogo e sua matemática»; «Despido do supérfluo rematava e então não era golo: era poema.» Sim, seria sacrilégio porque um plágio indecoroso do brilhante poema que Manuel Alegre escreveu para Eusébio. E há textos e pessoas que são intocáveis… 

Gyokeres no papel de histórico 6.º violino do Sporting, a par de Peyroteo, Travassos, Albano, Vasques e Jesus Correia. Gyokeres acompanhado por violoncelo, contrabaixo, obué, fagote, flauta, clarinete, trompete, trombone, tambor ou pratos numa orquestra que já toca sem necessidade de ter a pauta à frente, regida pelo maestro Rúben Amorim. Talvez interpretando a Cavalgada das Valquírias, de Richard Wagner. 

Gyokeres que só não corre atrás dos registos de Peyroteo porque esta será, muito provavelmente, a última época do sueco em Alvalade, relação que pode ter um desfecho ainda mais precoce se em janeiro algum tubarão da Europa, com mais dinheiro que pontos, bater os 100 milhões da cláusula de rescisão. Como escreveu o jornal inglês The Guardian, se Gyokeres mantiver este registo, 100 milhões vão parecer uma «pechincha», por muito que - como disse com muita graça o editor-executivo Nuno Travassos, em A BOLA TV – também me faça confusão juntar 100 milhões de euros e pechincha na mesma frase. 

Na ânsia da adjetivação adequada aos números e exibições de Gyokeres, talvez a resposta esteja, afinal, em Ronan Mattin, uma criança norte-americana de nove anos, autista profundo e não verbal. O avô, percebendo que o neto reagia muito bem à música clássica, levou-o a um concerto da Handel and Haydn Society, em Boston. E no final de um andamento de uma obra de Mozart, numa altura em que o protocolo se pauta pelo silêncio na plateia, que só aplaude no final da peça, a criança rompe o silêncio com um maravilhado e sentido «uauuuu…», um impulso tão genuíno que comoveu não só o público, mas essencialmente todos os membros da orquestra. Um «uau» que, por ter ficado gravado, chegou a todo o Mundo. Maravilhou a comunidade da música clássica ao ponto de alguns músicos famosos já terem passado por casa de Ronan Mattin para concertos privados.  

Em vez de procurar adjetivos, fecho o dicionário e vou fazer como Ronan Mattin… Sentar-me a apreciar o jogo e sempre que Gyokeres fizer algo de extraordinário eu exclamo… «uauuu».