Gato por lebre?!

OPINIÃO20.09.201901:53

Creio, também eu, que é difícil não simpatizar com Bruno Lage. Também tendo a simpatizar, portanto, com a figura, a forma de estar e, até, muitas vezes, com o discurso do treinador do Benfica. Bruno Lage, um sujeito elegantemente magro e simples, que parece reagir com a mesma serenidade vendo a equipa ganhar ou perder, que tem mostrado assinalável respeito pelos adversários, pelo jogo e pelo fair play, conquistou - e ele sabe que conquistou - muitos créditos ao conseguir, de forma absolutamente surpreendente, conduzir, em maio, uma equipa que parecia animicamente derrotada ao título de campeã nacional.
Mas, como Lage também deve saber muito bem, no futebol nem todos os créditos do mundo valem para sempre. Ainda deram - também era melhor que não dessem - para se ver o Benfica sair como saiu da última edição da Taça de Portugal (com o Sporting) e da última edição da Liga Europa (com o Eintracht Frankfurt, depois de despachar os alemães na Luz com claro 4-2), mas se o Benfica repetir na Liga dos Campeões a linha do que fez na fase de grupos das duas últimas edições (total de 12 jogos com 9D, 2V e 1E, 25 golos sofridos e 7 marcados, sempre com Rui Vitória ao leme), Lage poderá ver-se obrigado a enfrentar o primeiro verdadeiro teste à paciência dos benfiquistas.
São os treinadores que sabem de futebol, claro que sim. É para isso que se formam e é para isso que são pagos. Mas o futebol não é nenhuma ciência oculta e é exatamente por ser um jogo simples que é tão atrativo para tanta gente no mundo.
É por isso que se alguma coisa não faz realmente sentido para a maioria dos adeptos que seguem o futebol, então é porque pouco ou nenhum sentido faz, na verdade. Não é preciso ser-se treinador para se perceber quando uma equipa funciona menos bem, joga pior do que o adversário ou fica mais longe de cumprir o que os adeptos lhe exigem, como foi, realmente, o caso do Benfica que jogou, terça-feira, na Luz, frente a uma equipa muito boa, com jogadores de muita qualidade, com um andamento francamente superior, uma dinâmica claramente mais forte e um jogo coletivo muito mais dominador do que dominado.
Vem então tudo isto a propósito, é evidente, da derrota do Benfica na estreia com os alemães do RB Leipzig, na Liga dos Campeões desta época. Terá o onze do Benfica feito sentido para a maioria dos benfiquistas? Acredito que não. Como não fez para a maioria dos analistas.
Ver o Benfica fazer já em setembro a designada gestão de plantel - quando a procissão ainda agora saiu do adro - e logo à porta da estreia numa competição com a importância e o impacto da Liga dos Campeões é qualquer coisa difícil de compreender, mesmo em total respeito pela decisão do treinador. É o treinador que decide e é por isso que é ele que tem de assumir a responsabilidade.
Na verdade, por mais voltas que se dê às justificações do treinador do Benfica, é quase impossível não ter ficado, terça-feira, com a ideia de que a águia volta a colocar a sua participação na Champions num plano claramente secundário. Mas se é assim, então não podem os responsáveis encarnados criar nos adeptos a expectativa de que o Benfica persegue na Liga dos Campeões uma campanha à altura do nome do Benfica. Como diz o próprio treinador!
Não será isso, como diz o povo, vender gato por lebre?!
Não será num espírito de laboratório de Lage ou de laboratório de treinador e presidente, ou com um discurso - por mais elogiável que seja a serenidade - a justificar uma derrota na Champions como se fosse uma derrota na Taça da Liga, que Bruno Lage vai conseguir gerir o impacto emocional que resulta dos insucessos de uma equipa com a dimensão da equipa do Benfica.
Pode Bruno Lage ser muito elogiado pela coragem de lançar jovens formados no Benfica; pode até reclamar (é justo) gratidão pelo que eventualmente trouxe de novo à equipa e pelo que dela fez na segunda metade da última época.
Não pode é esquecer-se da exigência. A Luz não é o Seixal!
Já somada a derrota desta terça-feira, nos últimos 14 jogos na Champions a águia perdeu 11! O que é assustador para a tal imagem e campanha europeias que o Benfica diz perseguir.
Perder 11 em 14 não é, obviamente, uma série de que a águia possa orgulhar-se, e é também por isso que se esperava que o Benfica de Bruno Lage entrasse, desta vez, na Luz com tudo para ganhar, e não com a muito discutível opção de gerir o plantel, abdicando do seu melhor onze do momento para apostar em jogadores que não tinham ainda um minuto sequer de competição esta temporada (o estreante absoluto Tomás Tavares e um Franco Cervi que o próprio treinador deixou criar a ideia de já não contar para o totobola), bem como a opção de fazer jogar Jota num contexto que, mínimo dos mínimos, pareceu nunca lhe ser o mais favorável, nem o jovem Jota, na verdade, mostrou ainda futebol suficiente para merecer a titularidade na equipa principal do Benfica.
Dir-se-á que Tomás Tavares - que tinha, com o Gil Vicente, ficado especado junto ao 4.º árbitro à espera de jogar dois ou três minutos que não chegaram a surgir… - se tornou, subitamente, uma inevitabilidade para Bruno Lage face à condição de inapto de André Almeida, e Tomás Tavares saiu-se até muito bem para o cenário que enfrentou, deixando mesmo a ideia de ter, aos 18 anos, muito para dar à equipa e ao futebol português; em todo o caso, poderá sempre questionar-se porque não terá caído a escolha em Nuno Tavares que, apesar de ser canhoto, fez a lateral-direito os primeiros cinco jogos oficiais do Benfica esta temporada? Não terá Nuno Tavares mais ritmo competitivo e ligação sobretudo ao nível da primeira equipa do que o homónimo Tomás?
Pior que tudo isso, que ritmo competitivo poderá ter Franco Cervi - e, já agora, que confiança?... - para ser atirado às feras de uma competição realmente feroz como é a Liga dos Campeões, quando, que me lembre, o pequeno mas determinado Cervi apenas tinha jogado esta temporada meia dúzia de minutos no primeiro jogo, ainda em julho, quando a equipa se apresentou diante do Anderlecht?
Não são os próprios treinadores que afirmam que o ritmo competitivo só se conquista… competindo?
Não foi por ter competido pouco entre o jogo de Braga e o do Gil Vicente (quase quinze dias de intervalo para jogar, pouco, pela Seleção) que Bruno Lage justificou ter deixado Rafa fora do onze? E Pizzi, que foi, agora, titular, não jogou na Seleção menos ainda do que Rafa? Onde está, então, a coerência?
Voltando a Cervi, bem, o argentino deu tudo o que tinha; o problema é que, nesta altura, tudo o que Cervi terá é insuficiente para um Benfica europeu. Já para não falar na falta de confiança que sucessivamente lhe terá sido passada por não ter jogado até esta terça-feira um minutinho sequer desde que o Benfica saiu, em meados de julho, para a digressão dos Estados Unidos… e essa falta de confiança pode muito bem ter-lhe custado o desperdiçar aquela magnífica oportunidade de fazer golo que o fantástico passe de Adel Taraabt lhe proporcionou. O futebol joga-se com os pés mas está todo na cabeça. Ou não é assim?!
Creio, uma vez mais, que para os benfiquistas não se tratará tanto da derrota com o Leipzig - provavelmente a mais forte equipa do grupo - mas do modo como o Benfica pareceu não fazer tudo - nem o seu treinador - para a evitar, o que se por um lado parece confirmar a ideia de que o Benfica olha para a Champions com desprezo, por outro deixa também a sensação de não ter este Benfica realmente arcaboiço para a principal competição europeia.
E, já agora, não terá parecido, desta vez, Bruno Lage muito mais inseguro após o jogo? E com mais dificuldade de se justificar? Terá Lage procurado explicar o que verdadeiramente não sente? Fica a questão, para rever nos próximos capítulos desta história europeia da águia, e a certeza de que quando se vence é tudo mais fácil. Pois é!
Uma última nota, porém: quando, em fevereiro deste ano, Bruno Lage se estreou como treinador do Benfica numa competição europeia (em Istambul, com o Galatasaray, para a Liga Europa), também resolveu surpreender ao incluir os jovens Ferro, Florentino, Gedson, mais o pouco utilizado (e entretanto já dispensado) Yuri Ribeiro, todos, ao mesmo tempo, no onze. Toda a gente se lembra que correu bem porque o Benfica venceu por 2-1. Mas poucos se lembrarão que podia ter corrido muito mal. E podia. Pelo menos Lage tem obrigação de não o esquecer!

PS: Sensacional SC Braga, a repetir brilho na Europa, e obrigação cumprida pelo FC Porto, talvez ainda inibido pelo que lhe sucedeu com o Krasnodar (que ontem voltou a ser goleado!!!) - pontos importantes para o nosso ranking. Sporting e V. Guimarães juntaram-se ao Benfica no insucesso. Mas o leão voltou a mostrar que tem talento; só precisa de não ter pressa de ganhar. O que não é fácil, como se sabe. Sobretudo no caso do Sporting!