Frustração e desejo
Colaboro com a comunicação social há cerca de três anos. A experiência não se compara ainda com a que granjeei ao serviço da arbitragem. Nesta nova fase, tudo começou do zero. Reconheço que a mudança e adaptação não foram fáceis. Nada fáceis.
O maior problema foi cortar o cordão umbilical. Em cada análise, em cada opinião, em cada intervenção púbica, metade de mim era comentador, a outra metade era árbitro. Foi difícil aceitar que aquela porta estava fechada e que era agora meu dever dedicar-me, com empenho, neutralidade e profissionalismo, à nova atividade. O caminho que tentei (e ainda tento) construir era muito claro: ser pedagógico e didático quanto à forma, não deixando de ser pragmático e sincero quanto ao conteúdo.
Há várias maneiras de olhar para os erros que um árbitro comete em campo. Eu, que cometi muitos, sei que devo ser o último a analisá-los numa perspetiva bélica, corrosiva ou destrutiva. Mas aquele que foi, desde sempre, o meu grande objetivo - o de partir da opinião técnica para levar a informação e o esclarecimento à opinião pública - cedo se tornou pouco tangível.
Com o passar do tempo, percebi que a esmagadora maioria das pessoas não quer conhecer as leis, não quer perceber o erro nem quer entender a lógica que presidiu a cada decisão. O que a esmagadora maioria das pessoas quer é saber se a sua equipa foi prejudicada ou se a do rival foi beneficiada. Para esses, a importância do comentador de arbitragem resume-se a alimentar os seus ódios de estimação ou a legitimar a sua raiva momentânea, o seu processo de vitimização.
Aos olhos desses, quem comenta só é sério, qualificado e competente quando emite opinião que coincida com a sua. Se o que diz colide, passa a ser parcial, corporativista ou incoerente. Na prática, o comentador de arbitragem é uma espécie de arma de arremesso para usar quando der jeito.
Apesar desta aparente derrota, o caminho só pode ser um: o de acreditar que, devagar, devagarinho, as coisas vão acontecendo. Se não existirem estes comentadores, existirão outros.
No futebol moderno, não há como escapar ao escrutínio minucioso e injusto de tudo o que acontece nas quatro linhas.
Os analistas de arbitragem têm obrigação moral de pensar pela sua cabeça e de privilegiar o esclarecimento à descrição dos factos. Os árbitros devem focar menos na opinião daqueles e mais nas suas competências. Ninguém está acima da crítica e ninguém evolui sem ela. Se só gostamos dos comentários simpáticos, nunca seremos diferentes daqueles que criticamos.
Quanto ao mundo exterior, fica a dica: não nos deem tanta importância. Quando opinamos, os golos já foram marcados, os jogo decididos e os pontos distribuídos. São apenas opiniões. Mais nada.
Não sejam pequeninos quando têm a oportunidade de ser gigantes. O futebol precisa desse salto cultural.