FC Porto: Jorge Costa gostou de ouvir Eustáquio
'Hat trick' é o espaço de opinião semanal do jornalista Paulo Cunha
Em poucas palavras, sem tentar dourar a pílula, ainda a quente mas com frieza de raciocínio, Eustáquio sintetizou com clareza a exibição do FC Porto diante do Midtjylland (2-0), na sexta jornada da Liga Europa.
«Era importante ganhar e conseguimos. Não quero tirar mérito à malta, mas foi uma vitória de serviços mínimos», sentenciou o médio. Num plantel órfão de referências, agora que Pepe terminou a carreira, o discurso de Eustáquio foi lufada de ar fresco e a prova de que é nos detalhes que sobressaem os líderes.
O internacional canadiano integra o lote de capitães — juntamente com Marcano, afastado há muito por lesão, Diogo Costa, condicionado na ação por ser guarda-redes, Alan Varela, um argentino aparentemente sem aquele espírito de… argentino, e Cláudio Ramos, guardião suplente — e exibiu voz firme fechada a partida frente ao campeão dinamarquês: «Podíamos ter feito mais, tivemos oportunidades para marcar mais golos e esse é o passo que temos de dar: finalizar melhor. Porque dá muito trabalho criar oportunidades e depois, por uma finta a mais, ou porque não rematamos, o resultado fica curto. Depois podemos ter dissabores, como aquele golo que eles marcaram no final [anulado pelo VAR], e pode ficar mais difícil. Se chegarmos aos quatro ou cinco golos, o adversário fica mais desmotivado para atacar e nós ficamos mais sólidos.»
Devia ser regra, mas é cada vez mais a exceção ouvir os protagonistas, jogadores e treinadores, analisarem os jogos sem quererem iludir com balelas quem esteve nas bancadas ou viu na TV. Será que assisti ao mesmo desafio?, interrogo-me ao ouvir flash interviews e conferências de imprensa em que se mistura ficção com realidade. Eustáquio marcou pontos na quinta-feira e Vítor Bruno, que por inerência de funções deve ser o grande líder do balneário portista, só pode ter gostado da personalidade revelada por um dos homens que podem envergar a braçadeira e contagiar os colegas a saírem da casca.
Dificilmente veremos o jogador de 27 anos, contratado ao Paços de Ferreira em janeiro de 2022, decidir pela via do talento individual, mas se inspirar os companheiros pela lucidez na abordagem aos jogos e pelo exemplo na entrega já honrará o legado daquele senhor que agora se senta no banco e assina pelo nome de Jorge Costa. Se há jogador à Porto, o antigo defesa-central, hoje diretor de André Villas-Boas para o futebol profissional, é um dos modelos a seguir — a camisola número 2, em tempos apenas pertença de João Pinto, tornou-se também propriedade do Bicho como símbolo da mística azul e branca. Não é por acaso que três dos sete troféus internacionais no museu do FC Porto — Taça UEFA, 2003, Sevilha; Liga dos Campeões, 2024, Gelsenkirchen; e Taça Intercontinental, Yokohama, 2004 — foram erguidos por Jorge Costa.
Ao plantel dos dragões faria bem ouvi-lo todos os dias, uma meia horinha antes ou depois dos treinos, tão importante como a preparação física, a consolidação de modelos de jogo ou de sistemas táticos. Recordar é viver e José Mourinho não se cansa de contar história que reflete o peso de um dos «melhores capitães» que teve na carreira, a par do inglês John Terry (Chelsea) e do argentino Javier Zanetti (Inter), todos capazes de capitanear e liderar, «algo que nem sempre coincide», segundo o special one.
«[Num Belenenses-FC Porto, a 19 de janeiro de 2003] o que mais me marcou foi o período de descanso [azuis do Restelo venciam 1-0 ao intervalo]. Jorge Costa virou-se aos gritos para os colegas e disse-lhes que se perdessem nunca mais — e é evidente que não o faria — jogava futebol. A seguir disse-lhes ainda, com uma convicção inabalável, que tinham de dar a volta ao jogo, que tinham de jogar à Porto e que se tal acontecesse sairiam de Belém com a vitória. Esta manifestação de liderança e fé no meu capitão foi a ação galvanizadora de que os jogadores precisavam para ganhar o jogo», lê-se no livro Um ciclo de vitórias, de Luís Lourenço, que aborda a passagem do técnico pelas Antas e o Dragão.
Um encontro, esse do Restelo, com outros pormenores. Adivinhe quem assinou os dois primeiros golos da reviravolta culminada com 3-1? Ele mesmo, Jorge Costa, aos 48 e 52 minutos, quase como se ainda estivesse a dar muro na mesa no balneário.
Moral da história: aos líderes não basta indicar o caminho, é preciso tomar a dianteira e ser o primeiro a dar o peito às balas. Aposto que Jorge Costa gostou das declarações de Eustáquio finalizada a receção ao Midtjylland. Mas só um Eustáquio num grupo, é pouco…