Estofo!

OPINIÃO08.03.201903:09

FANTÁSTICA jornada europeia para o FC Porto, que entra no grupo das oito melhores equipas da Europa pela sétima vez desde que em 1991/92 a UEFA adotou um novo formato para a Taça dos Clubes Campeões Europeus. Neste século, é a quinta vez que o dragão chega a esta fase, confirmando-se como a melhor equipa portuguesa na prova. Fantástica jornada e fantástica exibição dos portistas, num jogo que acabou épico. Bem arrependido deve estar Sérgio Conceição de não ter ido a jogo com o Benfica com algumas destas opções - sobretudo, com Danilo e Soares de início.

Com a Roma, não merecia o FC Porto ter ido a prolongamento. Foi a melhor equipa nos 90 minutos, a que mais atacou, a que mais rematou, a que mais oportunidades criou,  a que mais intensidade pôs no jogo, a que mais sólida se mostrou, e só mesmo o instável Pepe podia ter começado por deitar tudo a perder com aquela mania de provocar adversários, como fez, lembram-se?, no Mundial de 2014,  no Brasil, que lhe valeu ser então expulso no jogo inaugural com a Alemanha. Essa mania levou Pepe a fazer desta vez praticamente o mesmo com o bósnio Dzeko (ligeira cabeçada, sim, mas cabeçada!), e, com outro rigor, a arbitragem podia ter posto Pepe fora do jogo e, pelo menos em teoria, levado o FC Porto para cenário bem mais difícil.

Outros dois momentos podiam ter sido dramáticos para os dragões:

- já no prolongamento, aquela arriscada saída de Casillas aos pés de Dzeko, a roçar, creio, a falta para penalty, impedindo Dzeko de ir atrás da bola, num momento semelhante à falta (no Sporting-Benfica) que castigou precisamente com penalty o benfiquista Vlachodimos, então por impedir de jogar o leão Bas Dost;

- e mesmo em cima do final do tempo extra, falta (também não intencional, mas falta) cometida por Marega dentro da área portista sobre Schick, que podia ter valido outro penalty aos italianos e, a ser concretizado, a dramática qualificação da Roma. Neste caso, estranho foi o árbitro não ter visto as imagens como fez no lance do penalty a favor do FC Porto.

Não e só por cá que alguns critérios nos espantam!...

IMPRUDENTE atitude de Pepe à parte, mais esses controversos lances, realmente o FC Porto só não foi melhor do que a Roma nalguns períodos do prolongamento, numa altura em que o jogo ficou partido e podia ter caído para qualquer dos lados.  Em dois ou três lances, o estádio prendeu a respiração. Ironia das ironias, foi Dzeko quem não soube concretizar e foi Pepe (que grande central ele é e que terrível instabilidade emocional ele tem!...) que o soube impedir, com corajosas intervenções.

O FC Porto não merecia, pois, ter ido a prolongamento. Mas foi. E no prolongamento, acabou também por ser feliz tal como foi feliz no jogo de Roma. Feliz, sim, a equipa de Sérgio Conceição, e feliz o próprio treinador, que viu dois dos suplentes utilizados (Maxi Pereira no cruzamento/remate e Fernando Andrade a ver-se agarrado) serem, afinal, os responsáveis pelo lance de que resultaria o penalty decisivo.

Feliz, sim, a equipa portista, mas também justíssima vencedora, muito em especial pela monumental segunda parte que fez agora, numa  eliminatória na qual a Roma nunca foi verdadeiramente capaz de se mostrar superior.

DE entre todos os heróis portistas - depois da derrota com o Benfica, este sucesso revela bem o estofo desta equipa de Sérgio Conceição - Herrera e Marega terão sido os maiores. Herrera é realmente um enorme jogador, e Marega, de forma absolutamente impressionante, está transformado (por mérito próprio e muito mérito do treinador) num dos melhores atacantes da Champions, pelo que luta, pelo que ataca e pelo que defende.

Impossível, porém, esquecer Corona, monstruoso até, sem motivo aparente, Conceição o ter substituído, mais o inesgotável Alex Telles (com o peso de todo o FCP às costas no fantástico momento em que converteu, no fim, o penalty da alegria) ou até mesmo Brahimi, com as suas diabólicas danças com a bola que podiam, e mereciam nalguns casos, ter tido outro desfecho.

CONSEGUIRIA o Benfica não se sentir pressionado no Dragão?, foi a questão  deixada na última crónica. Deu na realidade o Benfica resposta clara: não apenas não se sentiu pressionado, como jogou o jogo pelo jogo e foi mais de uma hora suficientemente superior ao FC Porto para ter merecido amplamente a vitória num estádio onde muito poucas vezes ganhou e, sobretudo, onde poucas vezes jogou tão bem, tão abertamente para vencer, e com tão fantástico controlo emocional. Uma nota, porém: como foi possível tantos jogadores encarnados escorregarem tanto e tantas vezes?

Deu o FC Porto, ou melhor, deu Sérgio Conceição o flanco à águia ao não ter apostado de início em Militão (além do castigo, dá pena não o vermos a central!), mais Danilo e Tiquinho Soares, dois jogadores que dão ao FC Porto bastante mais músculo, mais recuperação de bola, mais pressão e mais jogo aéreo (e fortemente decisivo, no caso de Soares),

Nenhuma culpa disso teve, evidentemente, Bruno Lage, que soube vestir a equipa com fato de enorme personalidade.

Vitória, pois, merecida de um Benfica que foi quase sempre melhor 11 contra 11 - mais de uma hora de jogo, portanto - e que pareceu, na verdade, ter sempre melhor controlo emocional e melhor domínio mental sobre o próprio jogo.

Foi, aliás, Pepe, de novo, um dos responsáveis pela imagem de certa instabilidade emocional que também pode ter contribuído para a derrota do FC Porto. Para jogador que se tornou um símbolo da Seleção e que já foi até capitão da equipa das quinas, poderia Pepe evitar tão evidentes instabilidades e imprudências, como ficou claro nalguns duelos com o jovem João Félix ou, agora, no jogo da Champions com os italianos.

Apesar, no entanto, de tudo o que sucedeu no clássico, mantenho: é impressionante a liderança deste Benfica de Bruno Lage, mas é ainda o FC Porto, de momento, a equipa mais forte do futebol português. Como também voltou a ficar claro no jogo com a Roma!

VOLTO, entretanto, a João Félix, esse talento surpreendente e invulgar. Como ainda há dias recordou, em entrevista a A BOLA, o professor Carlos Queiroz, há dois aspetos muitíssimo importantes no futebol: inteligência e movimento.

Há jogadores inteligentes com pouco movimento e jogadores com muito movimento mas pouca inteligência. E há os craques.

Como classificou Queiroz outro genial jogador como foi João Vieira Pinto, também o jovem João Félix é a inteligência em movimento.

João Félix deambula quase sem se dar por ele. Joga em todo o campo. Remata muito forte com o pé direito mas também com o esquerdo. Impressiona ainda pelo jogo de cabeça e parece forte mental e emocionalmente.

Tem, no entanto, de cuidar daquela teatral tendência de se atirar algumas vezes para o chão só por sentir a presença de um adversário. Fica-lhe mal e corre o risco de ninguém lhe ligar quando a queda for mesmo inevitável, como já tem, aliás, sucedido.

Corrigidos alguns pormenores, Félix pode ficar com o pacote completo e vir a tornar-se, depois de Cristiano Ronaldo, numa das maiores figura do futebol português.

João Félix tem (é impressionante como tem), por exemplo, muito mais golo do que Bernardo Silva, como se costuma dizer no futebol. E quem tem mais golo brilha inevitavelmente mais. Bem mais, como aliás se tem visto pela notável carreira do nosso melhor do mundo.

De Félix se falou também por não ter conseguido cumprimentar, no fim do jogo no Dragão, o treinador portista.

Pelas imagens televisivas, parece na realidade que Sérgio Conceição recusa cumprimentar João Félix, deixando de mão estendida o jovem avançado encarnado. Se é verdade que foi realmente intenção de Sérgio Conceição não cumprimentar Félix, o gesto só fica mal ao treinador portista.

Não se trata de saber de futebol; trata-se de comportamentos e há comportamentos que não podem deixar de ser reprováveis. De futebol, só sabem realmente alguns, como Sérgio Conceição; mas de comportamentos sabemos todos.

Ou devemos saber!

PS: Ficaram estas linhas finais para depois do jogo do Benfica, ontem, em Zagreb, num confronto em que os melhores (como é, neste caso, o Benfica) têm sempre mais a perder do que a ganhar. Porque ganhar é normal e perder é desolador. Não foi realmente o Benfica a que este Benfica de Bruno Lage vem habituando os benfiquistas. Longe disso. E é por estas e por outras que mesmo este surpreendente e mais encantador  Benfica me parece ainda sem o estofo de um FC Porto.