Bruno Lage e Rui Borges abraçados no dérbi de Alvalade: ambos fazem parte do lote de 21 mudanças de treinador em 2024/25 (Foto: Bruno Carvalho/IMAGO)
Bruno Lage e Rui Borges abraçados no dérbi de Alvalade: ambos fazem parte do lote de 21 mudanças de treinador em 2024/25 (Foto: Bruno Carvalho/IMAGO)

Este título já não foge

OPINIÃO09.04.202508:30

Portugal é o país do ‘top’ 10 da Europa onde mais clubes despediram treinadores. Má gestão e desigualdades ajudam a justificar esta cultura que está a anos-luz de outras ligas europeias

Portugal tem o campeonato onde mais se despede treinadores. Eis um título que já não foge. Dos países do top 10 do ranking da UEFA, nem a Turquia, território habitualmente dado a excessos e atreito à instabilidade, teve tantos clubes a fazer estalar o chicote em 2024/2025: foram 11 para lá do Bósforo, enquanto na ponta ocidental da Europa vamos nuns incríveis 14 em 18 possíveis.

No plano das trocas absolutas (incluindo clubes que mudaram mais que uma vez) são 21 em 28 jornadas, quase uma por ronda. O dobro de Inglaterra, França, Itália, Chéquia e Bélgica, três vezes mais que Espanha, Alemanha e Países Baixos. 21 trocas de treinadores na mesma época é um número nunca registado nos Países Baixos, Bélgica, Alemanha, Espanha ou Itália.

Esta temporada está a ser particularmente absurda, o pior que já se viu nos últimos dez anos e ao nível do que acontece no Brasil, onde presidentes despedem treinadores como quem bebe uma geladinha no boteco. Salvam-se apenas Tiago Margarido (Nacional), Vasco Matos (Santa Clara), João Pereira (Casa Pia) e Ian Cathro (Estoril). Duas equipas das ilhas e que subiram este ano à Liga e outras tantas da região de Lisboa. Nenhum padrão os une, à exceção da paciência e ponderação de quem manda e competência dos técnicos em exercício.

Mas quer isto dizer que todos os outros são incompetentes? Na esmagadora maioria dos casos, a resposta é não. O problema, já identificado há muitos anos, está em quem contrata e o respetivo contexto. Dirigentes que continuam a decidir ao sabor do vento, em alguns casos numa gestão de mercearia, trocando técnicos com ideias de jogo totalmente diferentes uns dos outros, provando com essas decisões que a direção desportiva não passa em tantos casos de puro ato de fé. E como são poucos os casos de presidentes dotados de feeling, aquela coisa com que se nasce e não se aprende, a probabilidade de erro é maior. Contrata-se hoje e amanhã logo se vê.

Tantas mudanças de treinador revelam a incapacidade de uma classe que não tem conseguido acompanhar a evolução dos jogadores e treinadores. Gestores ainda muito dependentes da modalidade do desenrasca apesar de gostarem de exibir de peito cheio a palavra projeto - quando o projeto é a bola bater ou não na barra.

Mas diga-se em abono da verdade que esta mentalidade não pode estar dissociada de um problema de dimensões superiores: os clubes estão descapitalizados, o que retira massa crítica, potencia a falha e expõe o elo mais fraco - aqueles que dão a cara todas as semanas.

Esta é uma consequência de um campeonato marcado por grandes desigualdades, com poucos abastados e demasiados remediados, como bem recordou recentemente Tozé Marreco, treinador do Farense que saiu do Gil Vicente ainda antes de a prova começar. Nada garante que se os clubes tivessem mais dinheiro seriam menos instáveis, mas diz o bom senso e os exemplos de outros países com realidades semelhantes que melhores receitas permitem uma gestão profissionalizada, com mais e melhores quadros, logo mais racional.

Mas o pior mesmo é uma certa normalização desta prática, inclusive nos próprios adeptos, como se fosse parte de uma cultura instalada. Uma cultura miserabilista cujos principais beneficiários serão apenas os fabricantes de malas. De tanto uso, os treinadores são os seus principais clientes.

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