Este alemão é vivaço
Os adeptos do Benfica estão a gostar e os jogadores também. Nem todos, mas em relação aos zangados é dar-lhes o bilhete de saída
ROGER SCHMIDT é o treinador de Rui Costa. Foi ele quem o escolheu e quem carregou o peso dessa responsabilidade, ao provocar o rompimento com o passado recente. Mudou a agulha na preferência pelos muito apreciados e valorizados treinadores portugueses para investir em formas diferentes de pensar o jogo e trazer para o emblema da águia outras ideias, outros processos de trabalho e, principalmente, provocar um choque na abordagem à competição.
Tendo sido um praticante sobredotado que cresceu no futebol de alto nível, ninguém melhor do que o presidente do Benfica para identificar o que era preciso fazer no sentido de tirar o clube do marasmo em que caiu e do qual não mais conseguiu sair por ter perdido o sentido de futuro. Devido a motivos vários, transformou-se num projeto sucessivamente adiado por se ter demitido de enfrentar o desconhecido.
A segunda contratação de Jorge Jesus foi disso inequívoco exemplo, não só pela ligeireza da decisão em si mesma, mas também pelos estragos que provocou e os prejuízos que causou, com as consequências que estão à vista: desde agosto de 2019, há precisamente três anos, que a família benfiquista viu o Sporting passar-lhe à frente, foi arrastada para o terceiro lugar no campeonato e não mais sentiu o prazer de festejar um título. Do ponto de vista futebolístico, o quadro é descoroçoante e manda a realidade que se encare o processo de mudança com a coragem que é preciso.
Os primeiros sinais animadores, porém, começaram a ser notados e têm a ver, essencialmente, com a imposição de um nova mentalidade e de só acolher no plantel profissionais de corpo inteiro, gente que, em todas as circunstâncias, coloque em primeiro lugar os interesses do emblema, uma regra basilar não respeitada ou respeitada apenas às vezes, quando os focos dos holofotes iluminam as vaidades de quem por ali anda encostado a grupinhos de pressão para prolongar a sua sobrevivência. Dirão que se trata de uma prática censurável abrangendo boa parte dos clubes, sem dúvida, mas que ainda afeta particularmente este Benfica, como Roger Schmidt já identificou, e que o limita ao nível das opções efetivas para cada lugar.
Roger Schmidt, treinador do Benfica
JOÃO MÁRIO, um dos casos de estudo, destacou as ideias novas que o treinador alemão trouxe para cima da mesa. Disse sentir-se bem e agradeceu o apoio dos adeptos. Afinal, anda tudo ligado, os resultados, as exibições, a confiança e a permanente disponibilidade para oferecer mais e melhor. O primeiro passo é tomar consciência de que cada jogo tem a sua história e o próximo é sempre o mais importante e o mais exigente, princípio vulgarmente ignorado por aqueles que depressa se acomodam à sombra de meia dúzia de exibições efusivamente aplaudidas, esquecendo, no entanto, que uma temporada se estende de agosto até maio do ano seguinte e a diferença entre os que ganham e os outros apenas se define na ponta final das épocas.
Hoje e sempre, os corredores de distâncias curtas são importantes e até decisivos em etapas intermédias, mas do que as equipas precisam mesmo é de maratonistas que se empolguem com a linha de meta à vista. É neste sentido que considero João Mário um caso de análise. Trouxe classe ao Benfica, como afirmou Jorge Jesus, através da sua inteligência, da sua capacidade de execução superior e de outros atributos igualmente relevantes, mas falta-lhe espírito de sacrifício e poder de combate para se apresentar em plano elevado nas muitas lutas que está obrigado a travar em dez meses/ano. Encontrada a solução para o problema, descobriremos um novo jogador, ao nível da elite mundial. Basta estar verdadeiramente empenhado, porque o resto ele tem.
ABOLA titulou na primeira página da edição de ontem que a ‘Águia já joga o triplo’, não de conversa, mas em concreto, numa alusão à disparatada promessa teatralizada em tom bairrista por Jorge Jesus na sua apresentação.
Isto não vai lá com ditos histriónicos. Esse foi grande erro de avaliação por parte de Luís Filipe Vieira, é a minha opinião, porque acabou por dar ânimo aos seus críticos mais acérrimos e alguns deles, sem medirem os limites do desaforo e da ingratidão, chegaram a alvitrar a sua suspensão de associado.
O caminho é por aqui. Roger Schmidt é de falar pouco, mas vivaço. É mais de observar, com os olhos muito abertos. Nenhum pormenor lhe deve escapar.
É o primeiro treinador de Rui Costa. Os adeptos estão a gostar e os jogadores também. Nem todos, obviamente, mas em relação aos zangados, até para salvaguarda de um ambiente saudável no plantel, convém entregar-lhes o bilhete de saída com a brevidade possível. Julgo não subsistirem dúvidas quantos aos nomes, uns por estarem há tempo demasiado na casa, outros por não justificarem o que ganham e outros ainda por não reunirem os argumentos mínimos para vestirem a camisola da águia.