Enfim, só!

OPINIÃO30.11.201803:37

NÃO me lembro, sinceramente, de ver e ouvir o presidente de um grande clube ter a frontalidade, a franqueza e a coragem que teve ontem o presidente do Benfica numa situação tão delicada como a que viveu nas muitas horas que se seguiram à goleada de Munique. Filipe Vieira não se escondeu atrás de um discurso elaborado, não quis confundir nem enganar ninguém, e, last but not least, não acusou os jornalistas de terem andado a inventar notícias, como estamos habituados a ouvir de outros altos dirigentes do futebol português em momentos até bem menos delicados do que este.

O que o presidente do Benfica fez, ontem, de forma exemplar, foi assumir, com toda a franqueza, que na quarta-feira à noite chegou a estar tomada a decisão de rescindir o contrato com Rui Vitória - como foi notícia na generalidade dos média -, que só veio a alterar, porém, depois de meditar, sozinho, durante a noite que passou no quarto presidencial da academia do Seixal. Vieira não podia ser mais claro nem mais franco. Os responsáveis da SAD com quem se reuniu na noite de quarta concordavam com a saída de Rui Vitória; o próprio Vieira esteve inclinado para o aceitar, e nesse sentido assumiu também que foi equacionada uma alternativa interna para um período de transição - Bruno Lage deixaria o comando da equipa B para render Vitória na equipa A até à chegada de um novo treinador.

O que Vieira foi fazer, sozinho, entre as paredes do quarto que ocupa no Seixal, foi meditar ao pormenor nas vantagens e desvantagens de rescindir com Rui Vitória sem ter, já, um treinador para o substituir definitivamente e não apenas transitoriamente. Vieira chegou mesmo a admitir, na conferência de imprensa de ontem à noite, que arriscaria «chamuscar» (julgo que foi essa a palavra que utilizou) quem pegasse agora, interinamente, na equipa.

Vieira foi exemplar no modo como enfrentou o diabo de toda esta crise no futebol encarnado, de toda esta instabilidade e fragilidade que o próprio treinador vive desde que começou este período de mais maus resultados do que bons e de muito mais mau futebol do que... razoável.

Foi Vieira igualmente estratégico e nem podia deixar de o ser, porque não é difícil compreender-se que esta decisão presidencial continuará a ter prazo de validade relativamente curto, sobretudo se Rui Vitória continuar a dar a ideia de ser um treinador realmente perdido e incapaz de dar a volta à coisa e, muito especialmente, incapaz de pôr a equipa a jogar bom futebol ou, pelo menos, a jogar melhor do que se tem visto.

Pode, realmente, Rui Vitória queixar-se de alguma instabilidade provocada no último mês pelas contínuas referências ao nome de Jorge Jesus e ao seu possível, ou mesmo provável, regresso ao Benfica, mais tarde ou mais cedo. Pode Rui Vitória lamentar que durante esse mês nenhum dos responsáveis tenha vindo defendê-lo desse ping-pong em que se viu envolvido a partir do momento em que o próprio presidente disse não fechar a porta ao eventual regresso de Jesus. Mas pode também Rui Vitória refletir no seguinte: quem mais o tem fragilizado é ele próprio pela insegura condução da equipa que tem transmitido aos adeptos, pelo que a equipa joga e, sobretudo, evidentemente, pelo que não joga, e pela quantidade de maus resultados que tem vindo a acumular, alguns dos quais surpreendentes apenas para quem, de repente, parece esquecer (é um exemplo), como foi o Benfica europeu da última época, de como levou cinco em Basileia e mais dois em casa do mesmo Basileia, de como se viu, de repente, a perder na Luz com o Tondela, por 3-1, quando estava ainda em jogo tudo e mais alguma coisa no último campeonato… tendo feito tantas vezes fraca figura com os mais fortes e mais forte figura com os mais fracos - e mesmo assim, como se sabe, nem sempre!...

Volto a Vieira e ao momento compreensivelmente tão delicado que é o de ter despedido o treinador (o que Vieira faria, apenas, pela segunda vez desde que é, há 15 anos, presidente do Benfica) e de acabar por mantê-lo, seja lá por profissão de fé, por querer repetir a graça do que fez também com Jesus, seja - e essa poderá ter sido também uma forte razão - por não ter, por agora, verdadeira alternativa.

Saberá Filipe Vieira tão bem ou melhor do que qualquer um de nós que se move no futebol, que se quiser mesmo o regresso de Jorge Jesus ao Benfica só pode contar com isso, na melhor das hipóteses, lá para meio de janeiro, sensivelmente, já para não dizer que o melhor, numa circunstância dessas, seria até esperar pelo atual treinador do Al-Hilal apenas no final da época.

Verdadeiramente, ninguém sabe se é mesmo o regresso de Jesus ao Benfica que está na cabeça de Filipe Vieira; podemos, apenas, presumi-lo, por informações várias e observações diversas. Sabe-se, pelo que se vai lendo e ouvindo, que haverá no Benfica quem concorde com a ideia do regresso de Jesus e quem dela discorde. E há quem pense (como eu, por exemplo) que o Benfica está realmente a precisar de novo de um treinador como Jorge Jesus, sendo que na circunstância que está criada e pela realidade do Benfica, um treinador como Jesus só mesmo… Jorge Jesus, na medida em que só mesmo Jorge Jesus conhece o Benfica como será indispensável que o novo treinador do Benfica conheça, só ele estará preparado para chegar e compreender rapidamente o que é necessário fazer, e só mesmo ele não precisará de tempo (e o tempo, nestas coisas, é sempre precioso) para saber onde se fecha a porta ou… se acende a Luz!

Em todo o caso, não sei, nem me interessa, como é óbvio, se vai ser Jorge Jesus a regressar ao Benfica ou se vai ser Rui Vitória a mostrar como afinal merece, e justifica, concluir o contrato que tem com o Benfica até 2020.

O que já me custa é quem mova a verdade em função de cada conveniência ou paladar.

Atacar Jesus por ter sido Jesus a trair o Benfica parece-me absolutamente hipócrita, quando manda a verdade que se diga que foi o Benfica, na verdade, que não quis continuar com Jesus, foi o Benfica que recusou pagar o último mês de salário a Jesus (inaceitável, sobretudo num grande clube como o Benfica) e foi ainda o Benfica que acusou Jesus de ter alegadamente «roubado» património informático do clube e o meteu em tribunal, exigindo então (ninguém se esqueça disso) uma indemnização de 14 milhões de euros, que não deixou de causar em Jesus (como causaria a qualquer pessoal normal) perturbação e indignação, ao ponto, acredito, de o ter levado, um bom par de vezes, a perder a cabeça como nunca devia ter perdido.

Considerar que foi Jesus que insultou o Benfica é outra hipocrisia, porque devemos seriamente reconhecer que foi o Benfica, com toda essa provocação, que primeiro insultou a dignidade profissional de Jesus. E dizer que Jesus nunca poderia servir o projeto do Benfica de valorizar os jovens do Seixal é, na minha opinião outra falácia, porque nem Jesus é, na verdade, um treinador que goste de apostar em muitos jovens (e sobretudo ao mesmo tempo) só por apostar, nem Jesus é o terror dos treinadores que nunca aposta em jovens. Apostar em jovens e apostar na formação é uma coisa diferente, como era diferente a formação no tempo de Jesus e a formação que entretanto alimentou Rui Vitória.

Que eu saiba, Dí Maria era um menino quando Jesus apostou nele, David Luiz era outro e Fábio Coentrão, praticamente, outro, como Markovic era menino, Talisca outro, mais André Gomes, Gonçalo Gedes e João Cancelo, ou Ivan Cavaleiro, Oblak, Lindelof ou Bernardo Silva, para falar de jogadores que surgiram pela primeira vez na primeira equipa com Jorge Jesus. Apenas exemplos.

Usar, por outro lado, as estatísticas para fintar as críticas a Rui Vitória é outro exercício artístico, talvez bem desenhado, mas falsamente objetivo, como se tudo se resumisse no Benfica à comparação entre as duas primeiras épocas de Jesus e as duas primeiras de Rui Vitória para se poder classificar, inadequadamente, Rui Vitória como tendo tido mais sucesso do que Jesus. Dirão os números isso, como sabemos, mas nem as comparações devem ser feitas apenas à custa dos números nem os números devem servir para fazer todo o tipo de comparações. Para não se enganar ninguém!

Dito isso, e apesar de toda a fé que o possa mover, saberá Vieira que voltou, mais uma vez, a decidir sozinho e contra a vontade de, pelo menos, a maioria dos responsáveis da administração da SAD e até da Direção do clube, que podendo, muitos deles - como sabe toda a gente que anda nestes corredores -, não desejar o regresso de Jesus, desejavam a saída imediata de Rui Vitória.

Saberá também Vieira (que parece ter tido medo de um possível caos) que se nenhum milagre lhe proteger a decisão corre o risco de arrastar o estado de alma da equipa a um limite insuportável para os adeptos e que nessa altura poderá ser bem pior  a emenda que o soneto.

Por muito que tenha valorizado a figura e o papel de Rui Vitória, atribuindo-lhe etiquetas várias, é preciso compreender que não podia Vieira ter feito outra coisa.

Como podia não o defender se, afinal, não o despediu?!