É claro que vai recorrer

OPINIÃO21.07.202206:30

FC Porto vai tentar adiar a decisão da interdição do Dragão no país da justiça desportiva que demora 11 meses a tratar de um cartão amarelo

B O país da justiça desportiva faz de conta só é verdadeiramente notícia quando uma decisão é proferida rapidamente e seja sólida do ponto de vista da fundamentação, capaz de resistir por si mesma ao fundamentalismo das tribos de várias cores. Ora, como nada disso aconteceu sobre o vergonhoso clássico de fevereiro entre FC Porto e Sporting, no Estádio do Dragão, os desenvolvimentos a que assistimos nas últimas horas são apenas a confirmação do anedotário nacional: o Conselho de Disciplina puniu o FC Porto com dois jogos de interdição (cinco meses depois dos acontecimentos) e é muito elevada a probabilidade de os dragões conseguirem adiar a sentença com uma providência cautelar para o Tribunal Arbitral do Desporto, o que fará adiar o processo durante meses.
Alegam os azuis e brancos que decidiram recorrer porque a decisão se fundamenta «apenas e só, no comportamento de elementos que não pertencem à estrutura do FC Porto». Portanto, temos uma entidade organizadora (o clube da casa) que, perante a agressão a jogadores de futebol, no seu relvado, por parte de uns indivíduos acreditados para o jogo, decide assobiar para o lado e chutar a responsabilidade para lá da Ponte da Arrábida e quem vier que feche a porta. Isto diz muito sobre os valores que presidem à maioria das decisões dos dirigentes dos principais clubes portugueses. Se não fosse isto, seria outra desculpa esfarrapada qualquer porque, na verdade, aqui ninguém é anjinho. Seja por uma questão cultural ou meramente circunstancial, nunca assistiremos a qualquer autopenitência quando o contexto geral convida à batota. Como pedir ao FC Porto que assumisse a sua (óbvia!) responsabilidade quando assistiu, por exemplo, aos constantes adiamentos da interdição do Estádio da Luz por apoio do Benfica a claques não organizadas, tendo o caso começado ainda antes da pandemia (!) e mais de dois anos depois, com quatro doses de vacina e milhões de máscaras pelo meio, ainda continua a arrastar-se na justiça? Como não iria o Sporting recorrer de um cartão amarelo a Palhinha (injusto, diga-se, que o retirava do dérbi com o Benfica), podendo fazê-lo? Como não iria o Benfica usar todos os seus meios para se defender se uns anos antes viu um jogador seu (Pizzi) ser agredido por um adepto no Estádio do Dragão e nada aconteceu? Como iria Pinto da Costa e sua administração assumir um providencialismo se anos antes um adepto do Benfica entrou em campo, no Estádio da Luz, e agrediu um árbitro assistente e nada aconteceu?
Podíamos continuar, recuando no tempo e nos tristes episódios. O sistema está montado de maneira a que todos apontem o dedo ao outro e subsista uma espécie de comportamento-padrão dos prevaricadores, fazendo lembrar aqueles períodos na história em que, na ausência de um Estado de Direito, os gangues definiam as regras e todos saíam a ganhar desde que os maus costumes fossem universais. Este é o país da justiça faz de conta onde um jogador (Palhinha) foi transferido em julho de 2022 para Inglaterra (Fulham) sem nunca ter cumprido o castigo de um jogo por um amarelo (o 5.º de uma série) que as entidades judiciais entenderam que afinal conta, mas não o seu efeito. Que entre o evento e uma decisão definitiva passaram-se 11 meses (!). Este é também o país da justiça faz de conta em que muitos castigos são empurrados para as férias, período no qual se cumprem duríssimas suspensões ao sabor de uma caipirinha.
Mas eis que recentemente ouvimos Pedro Proença acenar com uma salvação: que a instrução terá de ser mais rápida. Não sabemos bem como será atingido esse objetivo, mas temos a ligeira suspeita de que isto não será mais que um placebo. O problema é muito maior. «Isto está feito para a justiça desportiva não funcionar [em Portugal] como funciona noutros países», alertou ontem, à SIC, Lúcio Correia, especialista em direito desportivo, defendendo que sejam balizados os timings de decisão, com «consequências sérias se forem ultrapassados esses timings», sustentando também uma forma de «minimizar o sistema de recursos».
Dito assim até parece óbvio. Mas, tal como no futebol na relva, o mais difícil é jogar simples. Dava jeito termos treinadores a sério no campo da estratégia e da ética.