Serei sempre da ‘Team One’
Livre e direto é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida, jornalista
Em 1980, ainda Portugal tardava em fazer o seu caminho de afirmação no futebol internacional, escudado por uma simples presença na fase final do Mundial de 1966, em Inglaterra, António Garrido transportava o nome do país e o reconhecimento da qualidade da sua arbitragem de futebol para patamares supranacionais, dirigindo, em Madrid, a final da então Taça dos Clubes Campeões Europeus, entre o Nottingham Forest e o Hamburgo, de que resultaria, aliás, a segunda vitória consecutiva da equipa inglesa na — já à altura — mais prestigiada competição internacional de clubes.
Muito mudou nos últimos 44 anos, também na arbitragem, e não apenas, como eventualmente se possa pensar de modo mais descuidado, pela introdução de meios tecnológicos de suporte às decisões das equipas no relvado. Muito mudou no modo de encarar aa funções, no inevitável caminho para o profissionalismo, na capacidade renovada de perceber e interpretar as dezassete Leis do Jogo, de conhecer jogadores, de estudar equipas e os seus comportamentos táticos, de ajudar a que a equipa central passe, sempre que possível e cada vez mais, despercebida durante os noventa e tantos minutos de um jogo de futebol.
Para o adepto, porém, a evolução que se desejaria não foi acompanhada, por exemplo, de um suporte e estímulo por parte dos media. Em Portugal, a generalidade da comunicação social continua a estimular rivalidades, a potenciar conflitos verbais, a não assumir um comportamento pedagógico essencial para tentar, pelo menos, começar a mudar a ideia instalada de falta de qualidade da arbitragem, de falta de compromisso dos seus agentes, ideia no limite alicerçada na tendência visceral para dizer mal, para criticar, para vilipendiar.
E a responsabilidades, fatalmente, terão de ser repartidas pelos diversos agentes direta e indiretamente implicados no fenómeno. Por exemplo, em alguns antigos árbitros que teimam em não avançar pela indispensável pedagogia (considerando que a esmagadora maioria da população futebolística nem sequer sabe, por exemplo, quantas são as leis do futebol…), preferindo, quase à queima, a crítica fácil, às vezes profundamente destrutiva em relação a colegas do mesmo métier, esquecendo, a maioria das vezes, as asneiras que cometeram e as azias que causaram enquanto andavam de apito na boca…
Mas também há fortes responsabilidades no próprio operador televisivo quase monopolista do futebol em Portugal. Quando, dispondo de mecanismos para ser um fator de equilíbrio, de ponderação e de regulação, a SportTV avança, logo após o apito final de um encontro, para uma análise meticulosa, ao frame, dos lances em que, potencialmente, os árbitros possam ter falhado, está a matar o seu próprio produto, a descredibilizá-lo, a contribuir para a polémica desnecessária e a exacerbar comportamentos críticos e, por vezes, verbal e argumentativamente violentos. Não há como concluir o contrário.
Trata-se, portanto, de algo bem latino, da vontade de polémica para continuar com audiências, vendas ou clickbite, mas de um comportamento que não ajuda o futebol, que não defende o produto, por mais operações de cosmética, alterações competitivas ou parceiros de ocasião que possam ser adstritos ao pacote.
Do lado da arbitragem, é essencial que os seus dirigentes percebam que a comunicação é essencial. Inglaterra fá-lo na quase perfeição, servindo das capacidades de Howard Webb, o líder da arbitragem profissional no país, frequentemente chamado a programas televisivos da especialidade, seja para explicar decisões, para promover alterações, para justificar nomeações ou, simplesmente, para atualizar o público com as últimas determinações regulamentares emanadas pelo International Board e adotadas pelas instâncias oficiais inglesas.
A legitimidade, a autoridade e a visão de perspetiva inerentes à atividade arbitral constroem-se degrau a degrau, semana a semana, através do estabelecimento de uma relação de envolvimento entre todos os agentes do futebol e de confiança entre os que têm, no limite, a muito difícil missão de decidir.
Porque não façamos confusões: o árbitro de elite, hoje muito mais do que no tempo de Garrido, é um atleta profissional que toma centenas de decisões ao longo de um jogo de futebol, em tempo real e em frações de segundo, procurando ter o equilíbrio, a visão e a interpretação dos lances que, evidentemente, não competem ao adepto, exatamente porque essa não é a missão de quem observa um jogo de bandeirinha, cachecol e língua sempre afiada para criticar o árbitro, desculpando os erros grosseiros tantas vezes cometidos pelos jogadores e pelos treinadores da sua cor.
Vale, ainda, o espírito de sacrifício e a absoluta entrega da Team One, a que quer passar despercebida, a que quer ajudar a construir o espetáculo sem dele ser protagonista. Aqui chegados, João Pinheiro tem, a partir de 1 de janeiro, a responsabilidade de representar a arbitragem portuguesa de futebol no grupo dos mais cotados juízes de campo do mundo. Estará bem secundado pela sua equipa de sempre, e por outros árbitros lusos que procuram, todos os dias, fazer o melhor possível, aquém e além-fronteiras, para dignificar o país e a sua arbitragem. Luís Godinho e António Nobre, por exemplo, constituem uma reserva importante de qualidade para os tempos que aí vêem, cada vez mais exigentes em termos técnicos, físicos e comunicacionais para os juízes de elite do planeta futebol.
Por tudo o que ficou dito, serei sempre, claro, sem bandeirinha e cachecol mas com respeito e total admiração, adepto da Team One.
Primeiro cartão branco
O seu trabalho é tão discreto quanto eficaz. Com uma equipa técnica multidisciplinar e focada, Francisco Neto merece um cumprimento muito especial. Tem conseguido, a pulso, mas com rigor, determinação e muita qualidade, levar o futebol português no feminino a patamares nunca antes percorridos e por muito pouca gente sonhados.
Alicerçado no grande apoio concedido pela Federação Portuguesa de Futebol, quer do ponto de vista logístico quer na definição de uma clara estratégia de crescimento sustentado da modalidade no setor feminino, Neto acrescenta-lhe solidez, visão, perspetiva. E resultados, o que, evidentemente, não é menos importante…
Segundo cartão branco
Conhecem-no bem, os adeptos do futebol em Portugal. Chiquinho Conde foi um jogador marcante na sua época, e continua a definir horizontes importantes, agora em Moçambique.
O primeiro selecionador dos Mambas a apurar a seleção moçambicana para duas fases finais consecutivas de Campeonatos africanos das Nações continua a remar contra uma maré muitas vezes desfavorável, do ponto de vista das condições e, até, de algum gongorismo dos principais dirigentes da modalidade na pérola do Índico.
Mas aí está ele, a escrever história e a marcar gerações.