Decisões com impacto
Estes são momentos desafiante que exigem abertura, transparência e esclarecimento
NÃO é apenas dentro de campo que as decisões podem impactar no estado de espírito de todos os que vivem e respiram futebol. Isso também pode acontecer cá fora e a prova mais recente foi o comunicado do Conselho de Arbitragem, após o apito final do Casa Pia-Sporting.
De facto, não é comum ver a estrutura dar um passo em frente quando o mais fácil é não fazer nada, mas desta vez deu, e ainda bem, porque há momentos que exigem tomadas de posição.
Historicamente a arbitragem tem um problema que dificilmente deixará de a assombrar: diga o que disser, faça o que fizer, terá sempre dedos acusadores na sua direção. Se opta pelo silêncio, é conivente; se fala muito, quer protagonismo; se só fala de vez em quando, é parcial. Preso por ter cão e preso por não ter.
Não é à toa que a grande referência mundial da classe, o enorme Pierluigi Collina, dizia aqui há uns anos: «A melhor entrevista é aquela que não se dá.»
Mas não obstante o dilema, muito assente no que os outros dizem e pensam, é importante que quem está ao leme desta nau aja em consciência, com independência e movido pelo que entende melhor defender o setor, a cada momento. E, na minha opinião (vale o que vale, pois claro), estes são momentos desafiantes que exigem abertura, transparência e esclarecimento.
O futebol tem uma dimensão tão galática e um impacto tão grande ao nível das emoções que a sua classe mais sensível está quase obrigada a mostrar que nada deve e nada teme.
Por estes dias, o discurso exterior é tão corrosivo e a suspeição tão patológica que a única forma razoável de tentar acalmar tanta onda de choque é dando os tais passos em frente. Como? Como aqueles dados no final do jogo de Rio Maior. Mostrando alguns procedimentos, explicando algumas decisões, sublinhando méritos, reconhecendo erros, humanizando o trabalho dos árbitros e abrindo vias de diálogo. Não há outra hipótese.
É claro que os decibéis serão sempre exponenciais quando em causa estiverem decisões sensíveis, mas o facto de haver uma porta aberta, uma voz para explicar, uma posição tomada, pode servir de tranquilizante em relação à romaria de insultos que desfilariam durante semanas a fio.
É importante que se perceba que esta abertura, esta maior flexibilidade ao diálogo, não deve pressupor explicações excessivas ou meramente reativas. Este tipo de abordagem deve ser pensado e operacionalizado com um racional que todos percebam, com uma estratégia pré-definida no tempo e no espaço. Não pode andar atrás de penáltis controversos ou de declarações acaloradas. Tem que ser coerente e consistente, tem que fazer sentido, tem que ser e parecer justo para quem está do lado de fora.
Se assim for, a arbitragem nunca mais poderá ser acusada de tentar branquear o que quer que seja com silêncios coniventes ou inércia desmesurada. Esse é e será sempre o grande mérito de quem dá a cara e assume o que tem de assumir, de peito firme e cabecinha levantada.
Ainda a propósito do golo erradamente validado a Paulinho (e que gerou as tais reações contraditórias), uma ou duas notas que me parecem importantes: o esclarecimento público aconteceu porque o erro em questão tinha obrigação tecnológica de não acontecer. Não estamos a falar de uma análise pontual em campo, de uma avaliação incorreta de um contacto, de uma possível mão na bola ou bola na mão. Estamos a falar de uma circunstância factual, que objetivamente devia ter uma só solução. E, já agora, o erro humano ali cometido merece reflexão técnica, pois claro, mas não pode levar à queima na fogueira de quem os cometeu.
Quem falhou em sala foram os mesmos que já acertaram centenas e centenas de vezes, noutras ocasiões. A falta de concentração momentânea, o foco desviado do essencial, o excesso de confiança ou a simples vontade em querer decidir rápido e bem terão porventura justificado a falha, que ainda que inaceitável (deve e tem que ser responsabilizada, disso não há dúvidas), não pode derreter profissionais cuja carreira e dedicação à classe merecem respeito.
Que perfeita seria a nossa sociedade se exigíssemos de nós o mesmo que exigimos dos outros.