De nada, amigos
Antes da comparação com o ‘top’ 5, Portugal devia tentar perceber porque foi ultrapassado pelos Países Baixos no ‘ranking’ da UEFA
FOI no verão passado. Num encontro de jornalistas europeus em Istambul, um velho camarada neerlandês perguntou-me: «Os adeptos do Benfica estão satisfeitos com Roger Schmidt? Nos Países Baixos ele foi acusado de ser muito defensivo.» Recordo-me de ficar admirado com a imagem que me pintaram dele no PSV, quando nessa altura já as águias voavam rumo à fase de grupos da Champions com um futebol ofensivo e entusiasmante. Lembrei-me desta conversa depois de ver a forma original como os Países Baixos celebraram a ultrapassagem de Portugal no sexto lugar do ranking UEFA. Lá, o tema era uma constante: há que dar tudo para ficar com os pontos de um país cujas equipas jogam «muito fechadas».
Juntaram-se dois pressupostos para o desígnio: a responsabilidade coletiva e a essência do futebol local. Começando pelo primeiro: desde há uns anos que a federação tem a preocupação de mudar as datas dos jogos dos campeonatos para proteger as equipas que participam nas competições europeias - em 2020 foram 41 alterações. O interesse geral acima do individual. Quanto ao segundo pressuposto: todas as equipas privilegiam o ataque. A média de golos por jogo é de 3 (contra 2,44 em Portugal) e a percentagem de ambas as equipas marcarem no mesmo jogo é de 54% (na Liga portuguesa é de 42%). Não sendo um campeonato modelo e com partidas longe de encherem o olho, a Eredivisie tem, no entanto, o mérito de tentar nivelar a prova por cima. E tenho grandes dúvidas se um italiano, um inglês ou um espanhol preferem assistir a um jogo da Liga portuguesa do que dos Países Baixos.
Num estudo patrocinado pelo Observatório do Futebol e publicado no início do mês, a Liga portuguesa está no topo das que praticam um futebol de contenção. Numa análise a 52 campeonatos, tentou perceber-se que estilo caracterizava cada um, dividindo-se entre pressão, transições rápidas e contenção. As ligas do top 5 e algumas do Norte da Europa (incluindo a dos Países Baixos) surgem no topo da pressão, o que pressupõe um futebol ofensivo; na contenção, o campeonato português surge em segundo, atrás da segunda liga espanhola e o top 10 fecha com campeonatos tão excitantes como os da Colômbia, China, Chipre, África do Sul, etc.
Não por acaso as médias de espectadores são mais altas nos Países Baixos que em Portugal (19.193 contra 13.094), sendo que 12 clubes apresentam médias superiores a 10 mil pessoas contra apenas cinco aqui junto ao Atlântico.
É impossível não sorrir com o vídeo neerlandês que celebra a ultrapassagem a Portugal e termina com um «obrigado, amigos» de Boulahrouz. É caso para dizer: de nada, amigos, aproveitem bem a nossa incompetência.