Das coisas importantes

OPINIÃO12.04.202206:30

Temos todos o futebol que merecemos. Ao menos assumam-no sem hipocrisia

O Sporting CP-P. Ferreira, da jornada anterior (28.ª), teve dados claros: o clube lisboeta teve mais posse de bola, fez mais remates à baliza, trocou mais passes entre si e viu os adversários receberem mais amarelos, fruto de várias entradas antidesportivas.
No Vitória SC-FC Porto do passado domingo (29.ª jornada), a equipa azul e branca teve mais posse de bola, fez mais remates à baliza, trocou mais passes entre si e viu os adversários receberem mais cartões, fruto de várias entradas antidesportivas.
Nesses jogos, as equipas que foram estatisticamente superiores venceram, mostrando que é comum a relação entre verdade matemática e verdade dos factos.
O certo é que, depois de uma e de outra partidas, não foi disso que se falou. Não se falou de superioridade de uns sobre os outros, de jogadas bem ensaiadas, de táticas bem preparadas ou de pormenores bem executados. Não se falou de lances bonitos, de momentos bem trabalhados, de brilhantismo técnico ou de substituições bem feitas. Falou-se, como se fala sempre, de árbitros e VAR. Falou-se da análise milimétrica, frame a frame, zoom a zoom, de lances terríveis, relativos a contactos dúbios, manhosos ou insidiosos.
Convém dizer que essa visão não é em nada diferente da que se faz, há muito tempo, na análise de outros jogos. Afinal de contas, de que serve essa coisa do brilho competitivo ou do mérito desportivo, se temos sempre espadas para contar no que diz respeito às arbitragens? E que importa se «fui melhor, joguei mais e mereci vencer», se é nos alegados mergulhos ou nos penáltis de interpretação que a malta prefere focar?
É triste, essa visão tão redutora do jogo. E não é triste porque elenca alegados erros de arbitragem, algo perfeitamente normal em alta competição. É triste porque é quase sempre desonesta e feita de forma seletiva, maliciosa ou empolada. Criticar os outros por práticas que já nos serviram é de uma falta de honestidade desportiva inqualificável.
Esta forma de estar no futebol é transversal, tem várias cores e atores. O que hoje chora baba e ranho com queixinhas, sabe que ontem esfregou as mãos e riu baixinho, sem ninguém ver.
No meio disto tudo, apetece perguntar:
- Mas, afinal de contas, para onde queres caminhar tu, futebol português?
Este olhar constante para a árvore e não para a floresta é qualquer coisa de medonho, sob o ponto de vista cultural (e intelectual). O que levará algumas pessoas a recorrerem sistematicamente a estes subterfúgios, sabendo o tamanho do telhado que têm em casa? Querem iludir-se a si próprias ou acharão mesmo que são prejudicadas deliberadamente? Será apenas uma projeção para os outros daquilo que fazem no seu dia a dia? Será que acreditam mesmo que há quem os queira perseguir e anular?
Seja o que for, é pena. Enquanto se discutem decisões, não se olha para a questão da (gritante) falta de segurança que continua a proliferar por aí fora: tochas acesas enviadas na direção de jogadores, garrafas de água, isqueiros e moedas arremessados para o relvado, pancadaria nas bancadas e até uma invasão de campo, no caso de apenas um doido que, deslumbrado com a facilidade no acesso, não sabia bem se batia ou se abraçava quem lhe aparecia à frente.
E porque os lances impossíveis é que são importantes, não vale a pena refletir, por exemplo, nas treze agressões sofridas por árbitros distritais, no último mês e meio. Não há relação nenhuma entre os exemplos que vêm de cima e o que acontece cá em baixo, certo?
Não se esqueçam: para a semana há dérbi, portanto toca a pôr a calculadora numa mão e o telemóvel na outra, para partilharem muitos slow motions, memes e repetições dos lances que vos servirem (mas só do ângulo que defende a vossa posição, pode ser?).
Já o disse e repito: temos todos o futebol que merecemos. Ao menos assumam-no sem hipocrisia. É o que eu faço assumidamente, esperando que isto melhore.