Das aVARias

OPINIÃO28.04.202206:55

O que o jogo do FC Porto em Braga tem a ver com erro em Tchekov (e não só...)

DA história já aqui falei - contada por Eduardo Galeano no seu Futebol: Sol e Sombra: que, ao regressar ao Equador após longo exílio, Jorge Enrique Adoum (quando ainda não tinha escrito Entre Marx y Una Mujer Desnuda) se atirou a um dos seus rituais obrigatórios em Quito: ver o Aucas. Ao entrar no estádio, apanhou-o como odre - a fervilhar. Num ápice, cobriram-se as bancadas de silêncio. Com os espetadores de pé e de caras amarradas foi-se ouvindo pelo altifalante a voz entaramelada de um dirigente, elogiando o árbitro por estar ali
– cumprindo o seu dever na mais triste das circunstâncias.
Com ele, o árbitro, acabrunhado, percebeu-se-lhe lágrima furtiva no rosto. Quando, vincado o seu pesar, o dirigente do Aucas se calou, a multidão bateu palmas - e Adoum murmurou (de si para si):
– Como as coisas mudaram. Antes, as pessoas só queriam saber dos árbitros para lhes chamar filhos da p...!
Ao quarto de hora, golo do Aucas pôs o recinto em ebulição. A euforia transformou-se em ira ao ver-se que o árbitro o anulara - e da turba soltou-se (em uivo):
– Órfão duma p...
Era a expressão daquilo que o próprio Galeano já descobrira, poético, também:
– No futebol, o fanático é o adepto no manicómio (ou a caminho de sê-lo...)
Ou então era a expressão daquilo que Tchekov também descobriu, menos poético, depois:
– Errar é humano mas ainda mais humano é atribuir erros nossos a outros.
Não, vendo o SC Braga-FC Porto não pensei na história do Adoum no Galeano - mas confesso:  no brado do Tchekov, pensei. Não por ver Sérgio Conceição ou Pepe a soltarem-se de dentro dele - mas por sentir que não é preciso ser-se «adepto no manicómio» para se perceber como é estranho que (pelo menos) aquele lance entre o Matheus e o Evanilson se transforme num erro (de palmatória) de Hugo Miguel sem que do VAR lhe apareça ajuda para o emendar - e não me venham com as falácias do protocolo: que tão grosseiro ele podia ser (e foi...).