Da relatividade
Benfica joga o triplo da ‘era’ Veríssimo, mas um terço do que jogava com Jesus em 2010. Já Francisco Conceição é uma boa venda se comparada com a de Sérgio Oliveira
N O futebol o contexto é muito importante e por vezes ajuda-nos a relativizar verdades que, à primeira vista, nos parecem indiscutíveis. O Benfica tem dado sinais muito positivos com o novo treinador, o alemão Roger Schmidt, a ponto de este jornal, há dois dias, ter escrito em manchete que a equipa «já joga o triplo». É verdade que o Benfica parece ter voltado àquilo que nunca devia ter deixado de ser - uma equipa que entra nos jogos com atitude de grande, disposta a mandar, dominar, pressionar, controlar e subjugar o adversário -, mas, por outro lado, não podemos esquecer que este «jogar o triplo» supõe uma comparação com o passado recente, quer dizer, com aquilo que o Benfica andava a jogar. E a verdade é que nos últimos tempos o Benfica andou a jogar muito pouco, quer com Nélson Veríssimo quer com o antecessor dele, Jorge Jesus. O «triplo» que o Benfica estará a jogar agora corresponderá, mais coisa menos coisa, ao «triplo» que Jesus prometeu que o Benfica iria jogar com ele assim que tomou posse como treinador no verão de 2020.
Quando Jesus fez essa promessa os adeptos tinham na memória o futebol cinzentão e intermitente da segunda época de Bruno Lage, já em plena era Covid (uma desilusão enorme tendo em conta a excelência da segunda volta da época anterior e aquela fabulosa sequência que deu ao Benfica um campeonato que parecia perdido). De facto, o Benfica até começou bem com Jesus - futebol positivo e afirmativo e várias vitórias de enfiada a seguir à inesperada eliminação pelo PAOK de Abel Ferreira - a ponto de os adeptos terem acreditado estarem a assistir ao inicio de uma segunda era JJ». Depois começaram as intermitências, sobreveio o Covid e o castelo acabou por colapsar como um baralho de cartas. Valerá a pena lembrar, porque a memória coletiva é curta, que há pouco mais de um ano, a 29 de setembro (3-0 ao Barcelona na Luz!), o Benfica de Jesus liderava o campeonato com quatro pontos de avanço sobre FCP e SCP e parecia novamente embalado para uma época formidável. Depois começaram as intermitências e o castelo voltou a ruir como um baralho de cartas.
Não quer dizer que venha a acontecer o mesmo ao Benfica de Roger Schmidt, que nos parece, para já, um treinador de discurso e futebol entusiasmantes (simples, desempoeirado e objetivo, em qualquer dos casos), mas em futebol as primeiras impressões, por muito positivas que sejam, carecem de tempo - e de um certo número de testes e exames passados - para se tornarem verdades indiscutíveis. Eu diria que o Benfica está a jogar o triplo do que jogava com Veríssimo; mas por outro lado, um terço do que jogava com Jorge Jesus em 2010.
A relatividade também é chamada para comentar transferências, como por exemplo a do portista Francisco Conceição para o Ajax (€5 milhões), que tanta irritação causou no universo azul e branco. Trata-se de um grande negócio da SAD portista… quando comparado com a venda do médio internacional Sérgio Oliveira ao Galatasaray por 3 milhões - este Sérgio é o mesmo jogador que foi escolhido pela UEFA para o plantel ideal da Champions em 2021. Também parece claro, por outro lado, que a venda de Chico Conceição (22 anos) será um negócio incompreensivelmente esquálido se nos lembrarmos que há dois anos o jovem (tinha 18 anos) e pouco utilizado Fábio Silva foi vendido ao Wolverhampton por 40 milhões. E no caso do filho do treinador, a SAD portista nem sequer pode invocar, para calar os maldispostos e os maldizentes, que o clube poupa um dinheirão nos ordenados do Francisco….
Benfica de Roger Schmidt tem deixado boas indicações nos jogos de pré-época
FRANCISCO ESCOLHEU BEM
J OGANDO ele no FC Porto, o Ajax era, fora das ligas big five, o único clube europeu para onde podia ir sem se sentir despromovido (esqueço propositadamente o aspeto financeiro). Lembre-se que o Ajax é, com o FC Porto, o ÚNICO clube fora das ligas big five que conseguiu ser campeão europeu na era Champions. Ademais, o Ajax é um dos pouco clubes realmente míticos do futebol. O clube dos inesquecíveis holandeses voadores dos anos setenta - Cruyff, Neeskens, Krol, Haan, Muhren, Keizer, Rep, Swart… - mas também de van Basten, Rijkaard, Bergkamp, Seedorf, Davids, Overmars, Kluivert e tantas outras estrelas de primeira grandeza. Um gigante eternamente vendedor que conta onze títulos internacionais no fabuloso currículo (quatro de campeão europeu) e cuja aura é respeitada e admirada em todo o Mundo. Acresce que o Ajax acaba de sofrer mais uma grande sangria (além do treinador Erik ten Hag, perdeu Haller, Gravenberch, Mazraoui, Onana, Lisandro Martínez e Tagliafico vai a caminho), o que até pode facilitar a afirmação do talentoso e geniquento extremo portista. Se tinha mesmo de sair, Francisco Conceição escolheu bem.
RONALDO: NÃO ESTÁ FÁCIL
R ONALDO no Atlético de Madrid faz tanto sentido como Ronaldo no Barcelona, Ronaldo no Manchester City ou Ronaldo no Benfica: nenhum! No caso do Atlético. Navega-se um pouco pelas redes sociais de tendência colchonera e confirma-se a olho nu que a larga maioria dos adeptos não o suportam. Mas podiam eles gostar de Ronaldo, tantos foram os golos, tantas as desilusões e tantos os gestos provocatórios que o português, símbolo máximo do Real Madrid, os obrigou a engolir durante tantos e tantos anos? Ronaldo, por muito desiludido que esteja com o United, por muita vontade que tenha de jogar na Champions, não pode esquecer aquilo que é. Ele é Real Madrid, como é Sporting, como é Manchester United, como é Juventus. Passe o exagero, vestir a camisola de um rival direto constituíria quase uma afronta para os adeptos desses clubes. Já ir para o Bayern, Chelsea ou PSG não significaria atraiçoar tudo o que está para trás. O respeito pelas memórias e pelo afeto de centenas de milhões de adeptos e seguidores deviam contar para atletas com a história, a carreira e a dimensão de Ronaldo. Afrontá-los é um risco que talvez já não valha a pena correr… sobretudo quando já não se pode garantir 50 golos chiu-cala-a-boca por época.
E depois, ao fim de três anos a jogar em equipas de futebol pobre e desconchavado (a Juventus de Sarri; a Juventus de Pirlo; o United de Solskjaer e Rangnick), é no Atlético de Simeone que Cristiano pensa recuperar as boas sensações?!?