Crónica de uma viagem diferente
Sou um produto citadino, nascido e criado em Lisboa. No entanto, ainda é o diferente que me apaixona. O igual cada vez mais me cansa
P ORQUE hoje é sábado, título desta crónica semanal que há anos venho publicando em A BOLA, nasceu, como será fácil entender, do célebre poema do Dia da Criação (porque hoje é sábado) do incomparável Vinicius de Moraes, poeta marcante da grande geração da Bossa Nova, a música popular brasileira, que ligava o samba carioca e o jazz e que viria a mudar a cultura brasileira, dando-lhe dimensão universal.
Tal como a Bossa Nova, com toda a sua assumida liberdade de pensamento e de ausência de fronteiras para uma criatividade que acabou por ter forte influência cultural, social e política, que foi muito além do Brasil, também por estas colunas de A BOLA têm desfilado, na proporção minguada de um simples e humilde cronista, temas que nem sempre se conjugam com o verbo jogar e nem sempre rimam com o futebolês nacional que tantas e tantas vezes serve de idioma para o intervalo de uma vida de tédios e de desilusões.
Daí que esta crónica seja apenas uma crónica de viagem. Uma crónica do devaneio de férias por lugares menos comuns, sem areia e sem o mar da minha predileção.
Não é muito clara a razão pela qual me decidi pelo atrevimento de enfrentar os preanunciados caos dos aeroportos para poder viajar sem turbulências pelas aldeias históricas da Alsácia. Aldeias orgulhosamente personalizadas, belas, românticas, com caráter e com aversão à descaracterização das modernices que a vida citadina tanto gosta de propor.
Uma imensidão de vinhas a perder de vista, os bagos ainda em promessa, os caminhos limpos e acautelados rodeiam aldeias e vilas onde a vida corre mais devagar. Há por ali um prazer especial na degustação, no conhecimento das notas dos sabores mais raros, dos perfumes que nos sobem e que só se acentuam e crescem sem o peso mal medido da química e da ânsia de fazer um vinho criado para agradar às maiorias.
"Acima de tudo, impressionou-nos a maneira como esses vinhos rimam com o povo que o faz e com as aldeias e vilas que estes habitam numa arquitetura de raízes seculares e de hábitos consolidados."
Não raras vezes, em andanças pelo mundo, notava como era possível beber o mesmo vinho na Califórnia, na Austrália, na Cidade do Cabo ou em França. São vinhos bem feitos, trabalhados para um consumo certo e sem reparos. Vinhos tecnicamente irrepreensíveis, incapazes de nos surpreender tanto no bem, como no mal.
Compreendo a intenção do negócio. No fundo, a verdade é que o homem vai transformando tudo o que pode em negócio. Nem a religião ou o desporto ficam de fora e, por isso, mais difícil seria deixar de fora o vinho.
Mas há, de facto, vinhos desconhecidos que não são obras de arte do talento de enólogos, mas são dádivas esplendorosas da natureza. Vinhos que se confundem com os lugares em que nascem e que só nesses lugares podem ser bebidos sem adulteração do seu corpo e alma. Como no jazz e na Bossa Nova, quando se provam deixam sempre a surpresa de uma novidade ainda não experimentada.
Confesso que, na Alsácia, mais nos impressionaram os brancos que, em Portugal, por razões comerciais, costumam ser bebidos em garrafas de líquido incolor, desmaiados de alma e presos a uma estranha moda anémica.
Acima de tudo, impressionou-nos a maneira como esses vinhos rimam com o povo que o faz e com as aldeias e vilas que estes habitam numa arquitetura de raízes seculares e de hábitos consolidados.
Claro que a cidade seduz. Eu próprio sou um produto citadino, nascido e criado numa Lisboa que também se vai ajeitando aos gostos mais mundanos. Compreendo os jovens e a sua estreita margem para fugirem à globalização dos gostos, dos estilos, das modas e das vidas. No entanto, ainda é o diferente que me apaixona. Aliás, o igual cada vez mais me cansa.
DENTRO DA ÁREA – MOVIMENTAÇÕES DO MERCADO
No Benfica saiu Darwin, no Sporting saiu Palhinha, no FC Porto saiu Vitinha. Não foram os únicos, mas foram os mais significativos e proporcionaram um inusitado movimento de contratações, com destaque para a movimentação do mercado nacional. É bom para o futebol português que os grandes clubes reparem com outra atenção e com outra cultura para os talentos que, cada vez mais, vão nascendo em Portugal. O incentivo à qualidade da formação não deve nem pode ser exclusivo de Alcochete, do Seixal ou do Olival.
FORA DA ÁREA – É PRECISO PENSAR O NOVO AEROPORTO
Não, não me refiro apenas a essa vergonha nacional que é protelar por 20 anos uma prioridade como a construção do novo aeroporto de Lisboa. Refiro-me à necessidade urgente de repensar qualquer aeroporto em qualquer lugar do mundo. A massificação das viagens trouxe uma realidade para a qual a indústria da aviação não está preparada. Daí que, ao contrário do que alguns portugueses menos atentos possam pensar, o caos nos aeroportos seja universal. Faltam aviões e malas em todo o lado. E falta respeito pelo viajante.