Crime, desvario e indisciplina!...
O meu estatuto de advogado, que está antes de qualquer outro, profissional ou não, impede-me de comentar na comunicação social casos concretos pendentes, tanto mais que não tenho qualquer intervenção no referido processo. Por isso, e porque não tinha um conhecimento dos factos que me habilitasse a dar uma opinião, e porque nunca gostei muito de falar sobre o assunto, até que houvesse uma decisão, de preferência transitada em julgado, limitei-me, algumas vezes, a transmitir a convicção que tinha sobre o assunto, que era a única coisa que diria se, por qualquer motivo, tivesse sido chamado a tribunal para depor.
Na verdade, Bruno de Carvalho (juntamente com Nuno Mendes e Bruno Jacinto) estava acusado pelo Ministério Público - e formalmente ainda está - de que «conheciam o plano delineado pelos restantes 41 arguidos e determinaram-nos à prática dos crimes de ameaça, ofensa à integridade física e sequestro, bem sabendo que tais actos violentos provocavam nos ofendidos medo e receio pela sua segurança, lesões corporais que os privava da liberdade»; que «nada fizeram para impedir a prática de tais actos violentos contra os ofendidos, tanto mais que nas reuniões em que estiveram presentes criticaram sucessivamente os jogadores, potenciando um clima de violência contra os mesmos que se foi instalando no seio da claque JUVE LEO e no subgrupo CASUAIS»; que «não só compartilharam a decisão criminosa, mas também determinaram os primeiros 41 arguidos à prática de crimes de ofensas à integridade física, intimidação e privação da liberdade dos jogadores e elementos da equipa técnica». Em resumo, a Bruno de Carvalho (bem como a Mustafá e Bruno Jacinto) foi imputada a autoria moral de quarenta crimes de ameaça agravada, dezanove crimes de ofensa à integridade física qualificada e trinta e oito crimes de sequestro, crimes esses classificados como terrorismo!
Ora, entendendo-se por autor moral aquele que, dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto criminoso, desde que haja execução ou começo de execução, sempre estive convicto de que a Bruno de Carvalho não seria imputada a autoria moral. E esse foi o único comentário que fiz publicamente, como aliás em privado, como seria a única coisa que poderia dizer em tribunal: que esta era a minha convicção!
Havia quem dissesse que não era bem a minha convicção, mas antes o meu desejo. É verdade, e não posso deixar de o confessar, que era o meu desejo, a bem dos superiores interesses do Sporting Clube de Portugal e da sua SAD. Mas era também a minha convicção profunda, fundada em factos de que tive conhecimento e que me fizeram acreditar que visitas a Alcochete das claques não eram apreciadas por Bruno de Carvalho.
Se bem me recordo, foi cerca do Natal de 2016, que aconteceu uma visita a Alcochete de alguns elementos da Juve Leo, comandados pelo chefe Mustafá, para falar com Jorge Jesus e o então capitão Adrien! Um ou dois dias depois, não sei por que motivo, tive uma reunião com Bruno de Carvalho, interrompida, a certa altura, por um telefonema de Mustafá. Não vou aqui reproduzir os termos verbais utilizados na conversa, porque não seria de boa educação, nem ético. Como não vou reproduzir os comentários, também por razões éticas, que Bruno Carvalho me fez sobre tal visita. É minha obrigação, porém, dizer que concluí que este tipo de visitas não era do agrado de Bruno de Carvalho, sendo manifesto que estava agastado, tanto com Mustafá como com Jorge Jesus. Registei então também, e para mim, que as relações não seriam de total cumplicidade, tendo essa convicção sido abalada apenas em Maio de 2018, quando do Sporting-Benfica, que abriu com tochas sobre Rui Patrício. Mas, então, Bruno de Carvalho já era outro!...
Ou seja: um Bruno de Carvalho que eu considerei «responsável politico» por todo o ambiente que se vivia e veio a viver, uma vez que, a partir de 2018, enquanto maquinista do comboio leonino, o passou a conduzir de uma forma descontrolada e deslumbrada, até ao descarrilamento. Porém, da responsabilidade politica à responsabilidade criminal pelos acontecimentos concretos de Alcochete vai um passo gigante, que eu nunca dei, em nome da minha convicção e, sobretudo, do interesse do Sporting Clube de Portugal.
É verdade que não se trata de nenhuma decisão final e muito menos definitiva, uma vez que será o tribunal a emitir a sentença. Mas não deixa de ser uma boa noticia o facto de ser aquele que promoveu a acusação que agora a retira, pedindo a absolvição! Sobretudo, é uma boa noticia para o Sporting de Portugal e para a Sporting SAD, que tão carentes andam delas, pois ficam assim livres de qualquer ligação, mesmo jurídica, àqueles acontecimentos. Nenhum representante legal do Sporting ou da sua SAD foi autor material ou moral dos factos criminosos, e, nesta conformidade, também não lhes cabe qualquer outra responsabilidade.
Na verdade, se houver um assalto a um banco, e não houver qualquer responsabilidade por parte dos representantes legais desse mesmo banco, não nos parece haver justa causa para os trabalhadores se despedirem, ainda que tenham sofrido agressões por parte dos assaltantes. Por isso também, nunca tomei uma posição definitiva sobre a existência ou não de justa causa, ainda que me inclinasse para que não havia, uma vez que para existência de justa causa seja necessário o apuramento de um comportamento culposo por parte da entidade patronal, que neste caso foi vítima a vários títulos, e com prejuízos múltiplos.
Em consequência da posição do Ministério Público espera-se a absolvição dos réus sobre os quais impendia a acusação de serem os autores morais dos crimes praticados na Academia de Alcochete. Como se espera que essa decisão uma vez transitada em julgado seja respeitada. Designadamente, espero que perante este comportamento do Ministério Público que, provavelmente, conduzirá à sentença de absolvição do ex-presidente do Sporting Clube de Portugal, se não confunda a responsabilidade criminal com justa causa e responsabilidade disciplinar. Como bem notou Henrique Monteiro, no seu Leão à Solta da passada quinta-feira.
Com efeito, se Bruno Carvalho não praticou os factos de que era acusado ou se não se provou que os tenha praticado, a justiça realiza-se com a sua absolvição. Também os sócios do Sporting Clube de Portugal reunidos em assembleia geral fizeram justiça ao deliberarem a sua destituição com justa causa e a confirmação da pena de expulsão aplicada - deliberações com as quais se conformou. Não há que misturar absolvição de um crime público, com destituição ou expulsão e readmissão, no seio de uma associação privada!
Uma coisa são os factos criminosos praticados em Alcochete; outra coisa são os desvarios e as infracções disciplinares praticadas em Alvalade. Aqueles foram testemunhados por menos de uma centena de pessoas; a estes assistiram milhões, estupefactos e incrédulos!